Diogo e auto-criação

Cansada de criar os filhos e perdidamente apaixonada pelo meu pai minha mãe mal me deu de mamar. Aprendi a andar apoiando-me nos sofás, aprendi escalar o armário pra pegar biscoito por instinto e como andar no estranho labirinto do bairro que nasci foi seguindo Toninho.
Eu era o que segurava o carretel pro Dirceu, era uma tarefa difícil, dar o tanto certo de linha, saber pra que lado correr com a pipa pra ela subir. Quem cuida do carretel tem que tá interado das idéias de quem empina a pipa. Mas o que eu queria mesmo era dominar a minha pipa, lá no alto. Rabiola com cerol, cortar os outros, subir mais alto bem mais alto, com a pipa mais colorida do céu.
_ Toninho!
_ Que é que foi?
_ Deixa eu guiar um pouco?
_ Não tá vendo que to disputando com o Celinho?
_ Deixa eu disputar pra você?
_ Pirou moleque? Se eu perco pro Celinho vou ser zoado o resto da vida e você nunca empinou...
_ Mas eu nem tenho uma pipa...
E sai pensando como eu faria pra conseguir empinar pipa, o Dirceu nunca me emprestaria a dele e eu também não ia empinar nada com o escudo do Palmeiras.
No dia seguinte saí pra jogar birosca na rua, taí uma coisa que ninguém me vencia. Eu tava sentado com o Calinhos e o Tuí esperando o Zé e o Vando tirarem no par ou ímpar quem ia buscar a garrafa que tinha caído na casa do vizinho - fruto de uma discussão dos dois. Aí passou o DIrceu chorando, tirou a camisa jogou na minha cara e pulou no muro, fico sentado lá olhando sei lá o que:
_ Que isso Diogo vai fazer nada com essa bichinha não?
_ Bichinha é o caralho, vou te mostrar minha bicha quer?
_ Não sou bichinha que nem você, não gosto de ver pau de homem não.
_ Vai tomar no cu seu filha da puta!
E DIrceu já desceu com uma voadora no peito do Zé. Vando pulou na frente e segurou meu irmão pelos cabelos lisos que só ele tinha por ali. Eu pulei a linha de biroscas e dei um soco no peito do Vando:
_ Solta meu irmão porra!
Tomei um pontapé nas costas que até hoje não sei se foi Zé ou Carlinhos que me deu. E quando olhei pra esquina tinha uma porção de meninos correndo pro nosso lado. Toninho gritou lá do meio:
_ Quem botar a mão nos meus irmãos vai levar, é bom eu não ver nada.
Eu sorri, sabia que todo mundo tinha medo do Toninho e senti pela primeira vez o que era pra mim meus dois irmãos, os outros eu nem tinha contato direito.
Toninho:
_ Quem deu este chute aqui no Birosca? De quem é esta marca de pé? - Birosca é como Toninho me chamava às vezes.
Um pequenininho da rua que mal tinha chegado ali e morria de medo do Toninho, não lembro direito se seu nome era Ed ou Ted... Mas ele apontou pro Vando.
Ai eu gritei:
_ Eu tava batendo no Vando, foi o Zé ou o Carlinhos.
Meu irmão puxou cada um com um braço e ficou olhando pra mim aí gritou:
_ Eu vou perguntar só uma vez quem chutou o birosca? Foi uma dessas duas bichas aqui, ou vocês são homens pra assumir?
O Zé pensou em gaguejar alguma coisa e abaixou a cabeça.
_ Perdi a paciência, vão apanhar os dois que é pra ninguém mexer com irmão meu mais.
Dirceu me virou de costas e colocou meu rosto no seu ombro, eu fiquei me sentindo culpado e chorei, chorei por ter perdido meus primeiros amigos. Meu irmão tinha me defendido, mas ele não ia deixar eu ficar andando com ele pra sempre, eu ia ter que arrumar outra turma, mas ali não ia ter ninguém, e chorei um pouco mais.
Quando virei vi meu irmão voltando do chão, como num golpe de capoeira. Ele deixou um com o nariz sangrando e muita marca nas costas, o outro tinha desmaiado com um chute na nuca.

A partir daí comecei a ser alguém. Agora eu era o Birosca, pra todo mundo ali. Meu ponto fraco era chorar, chorava de tristeza, de medo, de raiva, de agonia e de solidão. E meus pontos fortes eram jogar birosca, futebol e ser irmão do Toninho...

2 comentários:

Anônimo 6 de novembro de 2009 às 18:58  

Desculpe o que vou dizer. Foi um bom começo lá atrás, mas parece ter se perdido aqui. O fim (se é um fim) não parece ter vindo daquele começo...
(uma sensação de que faltou algo entre lá e cá) ...mas quem sou eu para dizer isso né...
edo...

Bruno de Abreu 7 de novembro de 2009 às 10:51  

vc escreve hein?

... tudo muito real, vc explorou bem o lado sentimental dos moleques e toda ambientação confusa da realidade deles

adorei a parte da pipa e aquela cena - posso chamar assim? - em que o birosca vira do ombro do dirceu e vê a briga. eu virei junto com ele. como vc diria, este texto tem "uma fotografia que nos pega pelo fígado". narrador em primeira pessoa faz toda a diferença...

Pesquisa

04/08/2009

No final de 2007 eu perdia o sono semanalmente pensando em algum texto. O cansaço físico me impedia levantar da cama para anotar os poemas, textos e frases que vinham à cabeça. Criei então o Segundo Lílian, em Junho de 2008. Postando anotações feitas na madrugada, sonhos rememorados na manhã seguinte, inspirações do meio do sono vespertino. Sem habilidade de escrita tive um blog trágico, perdi meus leitores e a vontade de escrever.
No final daquele ano resolvi criar o Insônia Registrada. Já que todos meus textos eram decididos durante a insônia, ou me tiravam o sono. Era um novo blog, pensado diferente, com novo tema, nova forma de escrita, novo visual - que já foi modificado uma dezena de vezes - além de agora um período de vida bem mais traduzível em letras.
Hoje, o blog já virou um vício. Textos, links, vídeos, descobertas, lembranças... tudo vem pra cá. Tirando o sono de quem lê também. Tamanho vício me levou a criar um blog de esportes, um de filme, participar brevemente de um blog de humor e me fez até perder a vergonha do Segundo Lílian.
Porque segundo Lílian, a insônia será registrada.