Birosca

De alguma forma aquela confusão toda mudou muita coisa lá em casa. Meus pais passaram a nos temer, como se fossemos marginais, e nós três nos unimos como deveria ter sido desde o início. Mexeu com um, mexeu com os três.
Umas semanas depois, eu ja tinha completado meus 12 anos à 2 dias. Tava escurecendo, eu tinha ganhado uma lata de birosca numa aposta que eu faria 5 gols na pelada daquela tarde, o Luisinho duvidou e eu meti 6. Uma lata de birosca e pronto.
Eu ia subindo o morro analisando uma por uma, umas maiores, outras menores, azuis, verdes, com desenhos dentro, uma com o escudo do Botafogo e uma quebrada no canto. Cada uma serviria de uma forma diferente: leveza, tamanho, força, difícil de ser acertada, eu já ia montando meu esquema tático com minha nova seleção. Levantei a cabeça e vi Toninho conversando com um fogueteiro, me aproximei pra entender o que se passava:
_ Ai cara, experimenta um! - o de touca vermelha falava.
_ Aposto que seu irmão quer, ele é mais macho que você.
_ A gente não quer não.
Confesso que fiquei tentado, mas meu irmão me puxou pelo braço e saiu falando:
_ Eles querem algo em troca, eu sei. De graça não iam dar isto, se eles ganham pra vender.
_ O que eles querem?
_ Querem que a gente vire viciado pra comprar deles, depois a gente não tem dinheiro pra pagar e dão um tiro na cabeça de cada um.
_ E se eu experimentasse só um e nunca me viciasse?
Andamos tão rápido que eu nem percebi que já estava na porta de casa. Toninho empurrou a porta e já foi gritando por Dirceu.
_ Ele ainda não chegou, ma.. - antes que mamãe terminasse de dizer Toninho saiu com muita raiva.
_ Merda! Tomara que não o tenham feito nada.
Acho que até hoje não entendi, estes fatos devem estar interligados. Houve um murmúrio de que tinham convidado meu irmão pra entrar pro tráfico e ele não quis, talvez ofereceram maconha pra ele só disfarçando porque eu cheguei perto, talvez ele tava preocupado de raptarem DIrceu e forçar ele a entrar no tráfico. Mas eu sentia que o perigo ia vir pra cima de mim logo logo. Acho que ele também.

2 comentários:

Anônimo 16 de novembro de 2009 às 13:52  

É, apesar de ter vindo pra cá quase dez anos depois de mim, você parece ter vivido dez anos antes...

...eu não vivi esse mundo de latas de birosca, futebol de fim de tarde, e turminhas de rua.

Não sei onde estive em minha infância...


edo...

John Deere 18 de novembro de 2009 às 23:42  

Pô, me lembrei dum livro que li e não recordo o nome, vou tentar, algo como "os meninos da rua paulo" de Carlos Heitor Cony, que li quando jogava bolitas (birosca), bolinhas de gude. Legal escrever em outro sexo.Eu não consegui ainda. Parabéns!

Pesquisa

04/08/2009

No final de 2007 eu perdia o sono semanalmente pensando em algum texto. O cansaço físico me impedia levantar da cama para anotar os poemas, textos e frases que vinham à cabeça. Criei então o Segundo Lílian, em Junho de 2008. Postando anotações feitas na madrugada, sonhos rememorados na manhã seguinte, inspirações do meio do sono vespertino. Sem habilidade de escrita tive um blog trágico, perdi meus leitores e a vontade de escrever.
No final daquele ano resolvi criar o Insônia Registrada. Já que todos meus textos eram decididos durante a insônia, ou me tiravam o sono. Era um novo blog, pensado diferente, com novo tema, nova forma de escrita, novo visual - que já foi modificado uma dezena de vezes - além de agora um período de vida bem mais traduzível em letras.
Hoje, o blog já virou um vício. Textos, links, vídeos, descobertas, lembranças... tudo vem pra cá. Tirando o sono de quem lê também. Tamanho vício me levou a criar um blog de esportes, um de filme, participar brevemente de um blog de humor e me fez até perder a vergonha do Segundo Lílian.
Porque segundo Lílian, a insônia será registrada.