Corra enquanto puder

Trata-se de correr.
Tudo trata-se de correr.
Correr trata-se de tempo.
Isto não é um poema, é que são parágrafos curtos.
Mas, quando você corre você tenta diminuir o tempo gasto pra ir de um ponto ao outro ou tenta superar o tempo de outra pessoa que também está correndo.

E é isso.
Você corre o tempo todo e nem se deu conta disso. Corre pelos pensamentos, corre os olhos no jornal, corre na rua, corre contra o tempo, corre de pessoas, corre pras pessoas, corre do trânsito, corre da realidade, corre da irrealidade, da moral.
Prefiro explicar falando de tempo.
Você pode fugir (correr) de tudo, de pessoas, lugares e situações. Mas em momento algum você consegue abandonar o tempo. Não importa que seja dia ou noite no Japão, o tempo é o mesmo. O tempo da Terra, o tempo geral. As horas são um artifício pra TENTAR controlar o tempo, mas se desse certo anos bissextos não existiriam. Agora o tempo é o mesmo, enquanto digito estas palavras alguém dorme, aqui são 02:42 a.m (insônia) e lá são 04:42 a.m, mas estas duas coisas ocorrem no mesmo TEMPO.
É possível viajar no espaço, no universo, no pensamento, no sonho, mas não no tempo.
É impossível controlar o tempo com um relógio, é impossível saber que "horas" realmente é em um lugar, porque não estamos à 15° exatos, as cidades não localizam-se em cima dos meridianos, nem de nenhuma outra linha imaginária, é tudo muito complexo, convenciona-se uma faixa com o mesmo horário, mas no fundo deveriam diferenciar os minutos. Mas é impossível calcular tanto assim pra saber as horas, calcular o lugar exato, pra saber a distância com Londres, e saber exatamente o horário de Londres, e lembrar que a Terra está em expansão e teríamos que recalcular as horas todos os dias.
O tempo é incontrolável, por isto é melhor correr.

Cronologicamente inviável

Aos poucos ela começou a dominar o próprio corpo, a própria mente. Usar 100% do cérebro deveria ser conseguir ser seu analista e você no mesmo segundo, pensar em futebol e conseguir explicar porque você pensa em futebol e não na sua família que tá longe. É que futebol está dentro de você como só você pode explicar. A partir do ponto que seus pensamentos e o que você consegue fazer com ele torna-se inverbalizável ou bíblico quer dizer que você está usando sua capacidade de raciocínio. Ou não!
Ela só percebeu que inventava personagens quando se tornou um deles. Sentada num banco de madeira do lado de uma gritaria qualquer ela proferia idéias bêbadas sem nem usar alcóol ou drogas. Simplesmente conseguia enganar seu cérebro pra que ficasse bêbada sem estourar os neurônios. E se sentia bem assim. O problema de usar os dois lados do cérebro ao mesmo tempo era que apesar de não acompanhar o próprio raciocínio e falar tudo numa ordem cronologicamente inviável ela ainda sabia que estava lúcida, o que queria conseguir falando aquilo e como não ia conseguir.
Então equilibrou-se no meio fio e de braços abertos foi pra casa provando que lucidez em excesso é mais que loucura. Bem mais, bem pior, talvez.

Dopping

Não importa se o seu caminho pra casa é o mais bonito do mundo, depois que acostuma você nem percebe mais. Passa direto pelas árvores, insetos, arbustos, pessoas, carros e pelo céu esverdeadamente azul-vermelho. Sem notar que a natureza muda dia após dia.
Sabe-se lá porque aquele dia voltar pra casa significava um pouco mais, era como se nunca tivesse visto nada ali, bem devagar observava cada detalhe.
Algo lhe cuspia nos ouvidos que tudo ali era diferente, diferente não se sabe de quando mas era.
Quantas pessoas já tinham caminhado por aquelas ruas? Quantos casais abraçados? Há quanto tempo plantaram aquela árvore? Aquela árvore.
Chegou mais perto do tronco largo e percebeu que haviam dois buracos na arvore como se tivessem feito com um machado, outro maior mais embaixo, na outra árvore também e em todas daquela fileira:
_ Boa noite!
Deu um pulo pra trás e caiu no asfalto.
_ Eu só posso estar sonhando, quer dizer, vocês criam vida à noite?
A placa ao pé da faixa de pedestre (um homem atravessando à rua amarela da placa) começou a passar em velocidade rápida lhe despejando mil imagens, atravessando a faixa, um tigre, uma mulher, placas de porta de banheiro, placas de animais atravessando a pista e a imagem de todas as placa que ele vira ou não em sua vida.
A lua tava linda e cheia com seu brilho prata iluminando as ruas como se fosse dia.
As lixeiras se balançavam com pressa, ventava muito, mas um vento quente.
Dois galhos trepavam no chão, faiscando sementes
_ Vá pra casa antes que a gente volte ao normal.
_ Por que?
_ Ouça o conselho de quem mais te acolhe, ouça a rua que você tanto chama de natureza.
_ Mas me diz quando vocês ficam assim.
_ O primeiro dia do último ciclo de lua nova. De 3 às 4 deste dia estaremos esperando por você aqui.
Tudo ficou preto. E a lua cheia se esvaziou. De repente.


Aliás vou recomendar um livro: Por preguiça de digitar no google o nome do livro e aprender a escrever o sobrenome do autor (o mesmo do O Mundo de Sofia) vou deixar só o nome do livro mesmo: O Curinga

Diogo

Uma ou duas semanas se passaram sob o pesar da dor da morte de minha mãe, eu sabia que aquela comida mal feita não era a dela, mas o tempo todo não me dei conta que ela não estava simplesmente doente. Muitos anos depois só me dei conta de uma coisa, por mais ausente que ela estivesse foi sempre minha mãe, e por mais presente que ele fosse nunca tive um pai. De onde vem este tipo de sentimento?
Sai de casa sem a latinha de birosca confiante em mim sai com 5 biroscas e prometi pras paredes voltar com uma lata delas.
Enquanto eu jogava o Tatu narrava como se fossem partidas de futebol:
_ De um lado pesando uma lata de biroscas Tuí, do outro com apenas 5 Biroscas Dioooogo oooo birosca, campeão mundial duas veze...
_ Cala a boca!
Tec, tec, te-tetetete-c..
Ganhei mais três:
_ Já estou com oito biroscas, faleiq ue era meu dia de sorte.
_ Calma malandrinho, hoje eu acordei com o pé direito e cuspe na testa.
_ Cuspe na testa?
_ É um rito meu...
Tatu gargalhava:
E com a cara cuspida lá Tuí vai com sua birosca azul escuro ...
_ Já não mandei calar a boca?
O que importa esta história de cuspir no dedo polegar e fazer um X na testa pra dar sorte? A história que quero contar é um pouco mais à frente, depois de perder tudo no jogo fui pra casa como fazia todos os dias:
_ Toninho, o céu da vermelho acho que vai fazer frio amanhã.
_ Vai sim.
_ Toninho...
_ Oi
_ Eu to com medo de ir pra casa...
_ O que?
_ Uma sensação ruim...
_ O Dirceu andou te falando algo???
_ Não, o que?
_ Não sei, você se sente irmão dos nossos irmãos?
_ Eles não são nossos irmãos.
_ Então a gente vai embora amanhã.
_ Vamos pra onde?
_ Leva cobertor que vai fazer frio.

Canção da canção da lua

Mãe,
eu já não sou quem eu era
agora tenho a minha guerra
a minha própria luta privada
ainda oiço à canção da lua
só já não me afasta do nada

mãe
a vida é esta merda
dela só o cheiro se herda
trocamos sonhos por qualquer porcaria
canta de novo a canção da lua
enquanto não chega o dia

Anos 90

A fita dos Mamonas Assassinas girava seu lado A no aparelho de som, uma dúzia de cachinhos balançava pra cá e pra lá sentada sobre a mesa acompanhando com os lábios todas as músicas, prevendo a ordem das. Um papel rabiscado com cara de cavalo, corpo de camelo, rabo de boi e patas de elefante era a explicação ao pai sobre o que devia ser o murilo abandonado da música do Netinho.
Na lixeira duas latas de mini-leite condensado. No peso da memória um acidente ocorrido dias antes. E os dedos cruzados esperando 0,25 centavos por gol que o Cruzeiro marcasse naquela Libertadores de 97. Inesquecível!
No segundo andar daquela casa guardava-se folhas e mais folhas de cartas de três linhas que de modo geral sempre diziam a mesma coisa. Aliás, os dois andares eram separados por grades e portões na escada com o simples intuito e nunca deixar aqueles cachinhos aloirados se lambusarem se sangue de uma - talvez - testa com quatro ou cinco pontos.
Mal sabiam eles que quando retirassem as grades o pedacinho de gente que tanto se fazia onipresente nos cômodos daquela casa se multiplicaria por três e ocuparia os dois andares e o terraço engatinhando com seus 4 sapatos, ou melhor com quatro sapatos de seus pais.
Na tv o Pernalonga ensinava um pouco mais de travessuras e esperteza. Anos mais tarde seis das 24 horas de Pernalonga seriam gravadas no seu aniversário de 40 anos. E ela nunca ia entender como aquele coelhinho tinha 40 anos, a idade de seu pai. É verdade, a idade de seu pai. Agora sim, fez sentido!
No bolso do pai o chiclete preto, nunca visto em outras décadas - nem mesmo nas próximas.
Os fins de semana reservados à aprender novos jogos de baralho, fazer compras no 1,99, visitar a padaria e comprar revistinhas em quadrinho com os saldos de saldos de gols do Cruzeiro, mal sabendo que anos depois seguraria por mais sabe-se quantos anos arfado no peito o grito de tricampeão. Maldito século novo!

Pesquisa

04/08/2009

No final de 2007 eu perdia o sono semanalmente pensando em algum texto. O cansaço físico me impedia levantar da cama para anotar os poemas, textos e frases que vinham à cabeça. Criei então o Segundo Lílian, em Junho de 2008. Postando anotações feitas na madrugada, sonhos rememorados na manhã seguinte, inspirações do meio do sono vespertino. Sem habilidade de escrita tive um blog trágico, perdi meus leitores e a vontade de escrever.
No final daquele ano resolvi criar o Insônia Registrada. Já que todos meus textos eram decididos durante a insônia, ou me tiravam o sono. Era um novo blog, pensado diferente, com novo tema, nova forma de escrita, novo visual - que já foi modificado uma dezena de vezes - além de agora um período de vida bem mais traduzível em letras.
Hoje, o blog já virou um vício. Textos, links, vídeos, descobertas, lembranças... tudo vem pra cá. Tirando o sono de quem lê também. Tamanho vício me levou a criar um blog de esportes, um de filme, participar brevemente de um blog de humor e me fez até perder a vergonha do Segundo Lílian.
Porque segundo Lílian, a insônia será registrada.