Amor, café e (in)sensibilidade



Ele me amava, e eu tomava café quente.
Seus olhos não conseguiam fixar um ponto só, olhava minhas mãos, analisava minhas orelhas, cada marca de espinha em minha testa, ponto a ponto do meu rosto, tentava entender pra onde eu olhava... arrepiava todos os pêlos do braço enquanto eu soprava o café.
Eu parava para sentir o aroma forte do café, e ele para admirar meu cheiro, suando com o vapor quente de café sobre meu rosto. Meus olhos se voltavam para dentro da xícara, conferindo quanto ainda me restava de café, os olhos dele no relógio marcando quanto tempo ainda tinha para me observar.
Descansava a xícara sobre o pires, rodava meu dedo em torno da xícara brincando de desenhar nas marcas do vapor. Ele repetia os mesmos gestos com os dedos, sem perceber desenhando círculos no balcão. Teve até mesmo uma hora, que escreveu: repetindo meus gestos, meu nome completo com um coração. Quando olhou pro balcão liso, talvez percebeu marcas de dedo e descobriu meu nome.
Enquanto desdobrava o jornal, ele se desdobrava em mil para me ver atrás das manchetes. Parecia obcecado pelos meus movimentos, olhava para mim se sentindo invisível atrás dos óculos de grau, coçava o queixo e massageava os lábios.
Virei o jornal para resolver a cruzadinha, ele virou de lado para ver o meu reflexo no espelho. Brincava com o vidro refletor supondo por a mão em minha xícara, fez até menção de alisar meus cabelos. Comecei a sentir medo. Tirei o olhar da quadriculada cruzadinha, direcionei com todo impulso pra dentro de seus olhos, ele se arrepiou.
Tentou encontrar, sem tirar os olhos de mim, sua xícara preta com café agüado. Molhou a boca, e percebeu, o café já estava frio.
Ele me amava e tomava café frio.

(já posso abrir uma sessão de textos sobre cafés e cafeterias)
Foto roubada de um álbum Picasa, cujos créditos não consegui encontrar

4 comentários:

Lílian Alcântara 30 de janeiro de 2009 às 22:15  

Queria eu encontrar amor nas cafeterias: "me vê um amor fraco, com pouco doce?" "Amor expresso pra mesa 4", "tem amor forte e com adoçante?"

Anônimo 31 de janeiro de 2009 às 08:19  

Nãããããããooooooooo !!!!!!!
Mil e treze !!!!!!!!!!!!!
Nãããããããooooooooo !!!!!!!

Nãããããããããããããooõoooooooooo !!!!!!!


N.P.

Muito bom o texto. (mas lá onde está queijo, não seria queixo ?)

Lílian Alcântara 31 de janeiro de 2009 às 12:01  

seria... arrumei. N.P?

Bruno de Abreu 31 de janeiro de 2009 às 17:09  

Interessante, Lílian, interessante. Continue escrevendo sobre café. Tem todo o meu apoio.

Pesquisa

04/08/2009

No final de 2007 eu perdia o sono semanalmente pensando em algum texto. O cansaço físico me impedia levantar da cama para anotar os poemas, textos e frases que vinham à cabeça. Criei então o Segundo Lílian, em Junho de 2008. Postando anotações feitas na madrugada, sonhos rememorados na manhã seguinte, inspirações do meio do sono vespertino. Sem habilidade de escrita tive um blog trágico, perdi meus leitores e a vontade de escrever.
No final daquele ano resolvi criar o Insônia Registrada. Já que todos meus textos eram decididos durante a insônia, ou me tiravam o sono. Era um novo blog, pensado diferente, com novo tema, nova forma de escrita, novo visual - que já foi modificado uma dezena de vezes - além de agora um período de vida bem mais traduzível em letras.
Hoje, o blog já virou um vício. Textos, links, vídeos, descobertas, lembranças... tudo vem pra cá. Tirando o sono de quem lê também. Tamanho vício me levou a criar um blog de esportes, um de filme, participar brevemente de um blog de humor e me fez até perder a vergonha do Segundo Lílian.
Porque segundo Lílian, a insônia será registrada.