El Drama del Punto

Minha cabeça funciona vinte e seis horas e uns minutos a mais por dia. Quando ela não esta concentrada em uma conversa, em roer as unhas ou criar impulsivamente exercícios de geometria, ela certamente esta moldando um personagem, rimando uma palavra, ou observando literariamente um objeto da casa.
Antes de começar a escrever eu procurei ler bastante e percebi que muitos textos alheios pareciam se encaixar com minha vida, mesmo quand contavam uma coisa incomum de acontecer, uma cena da infância e pronto parecia ser a minha vida ali exposta por alguém que eu nem mesmo conhecia. Então, quando comecei a escrever eu tinha certeza que alguma das histórias que eu simplesmente criasse podia ser perfeitamente idêntica, ou pelo menos próxima, à uma história real de alguém que acidentalmente viesse a ler meus textos.
Foi ai que escutei que "aquele texto Cena Involuntária, aconteceu comigo também". Enfim, ta aqui uma história parecida, mas narrada por Eduardo... e ao contrário da minha, é uma história real.

*O texto foi revisto e reeditado por mim.

Uma dessas cenas que você vê, até presta alguma atenção, mas ao acordar no dia seguinte nem se lembr mais... até que um dia alguma coisa te faz lembrar.

Teve um dia, a uns três ou quatro meses atrás, que eu estava esperando o ônibus da presidente, de meia noite, na rodoviária nova de Caratinga.  Havia um casal lá, jovens, por volta dos 19 ou 21 anos, simpáticos até, mas jovens... ela, tinha os olhos cheios d'água era visível já havia chorado um balde e outro parecia estar a caminho. 
Ele, um dos tipos que eu odeio avistar, só pelo avistar: mistura de universitário festeiro que frequenta diesel*, com filho único de pais não separados mas que vivem para trabalhar apenas, só existindo como casal enquanto dormindo no mesmo quarto.
Os dois estavam sentados num dos 6 ou 7 pares de cadeiras que mal existem lá. Eu estava em pé, não só por falta de opção como também por vontade. Eu não estava observando diretamente a cena, mas quem conhece o local há de concordar que, ás 23:45Hs  de uma quarta ou quinta-feira qualquer de outubro... não se tem 
muito lugar para onde olhar (e que dia é diferente ?...). Olhar aquela cena, mesmo que assim meio de lado, era quase a única opção além de fechar os olhos, e por Deus!!  Uma garota quase chorando chama a atenção mesmo !!!        
Então, ela havia chorado. Na verdade ainda estava, mas agora contida, de cabeça meio baixa, ouvia o rapaz falar e apesar de que em nenhum momento pude ouvir o que diziam, eu olhava para seus rostos e lábios tentando uma pesca esportiva de palavras soltas que me tirassem a curiosidade crescente. Nada. Nem um "eu odeio você". Mas eu nunca gostei de pescar mesmo e o rapaz falava cada vez menos. Ela no entanto, pelos gestos, parecia tentar se explicar a ele, o que me trazia a precipitada conclusão de que ela teria feito algo de errado. 
Mas isso dava motivo ou razão ao rapaz, o que eu não queria, porquê o sujeito fazia o tempo todo uma irritante cara de menino pirracento que não ganhou o brinquedo que tanto queria. Ele estava gastando todo aquele tempo fazendo manha, ou o clássico "beicinho", ou o que eu chamo de 'beicinho de espírito', que é o beicinho sem beicinho, porque contém apenas a intenção e não o gesto.
O tempo passando, eu tentando não me importar, e a coisa só ficava mais gritante...
Houve uma hora em que os dois quase falaram ao mesmo tempo, num recomeço de discursão, mas aí o rapaz virou a cara e se calou como quem fica sem boa resposta imediata e tenta ganhar um tempo para pensar em qualquer coisa e contra-atacar, e deixava a moça sobrar no vácuo falando sozinha ou com a parte detrás da orelha direita dele. Depois disso, se me lembro bem, ele se levantou, tinha algo nas mãos, talvez uma latinha de refrigerante ou um mp4, mas não lembro o que agora.
Ele ficou ali por perto, de costas para ela, olhando por um momento para o portão por onde entram os ônibus. Era ele a esperar o ônibus, era dele a bolsa no chão, perto dos pés da garota. 
Lembro agora (estou lembrando enquanto escrevo) que nesse momento em que ele ficou em pé e ela sentada no mesmo lugar, que eu já tinha me esquecido de disfarçar minha curiosidade, já estava tão envolvido com a cena que, quando ela por meio segundo olhou diretamente pra mim, tomei um susto. Me mexi, andei, lembrei de respirar e mudei de lugar, deixei de olhar por um tempo.  
Então o rapaz voltou para seu assento, havia recuperado as armas, deve ter achado alguma resposta, voltou e recomeçou a falar.
Vi que o tom de vóz e os gestos eram mesmo de quem acusa. Agora sim eu não gostava do cara, porque a garota já estava se acalmando e lá ia ele  ressuscitar um defunto que já estava a caminho da cova. Por toda aquela dramatização que ele estava fazendo alí, minha coclusão já estava tirada, era ele o culpado. 
Não sei do quê, nunca soube, mas só poderia ser ele. Sei reconhecer  um 'drama' quando avisto um. Ele fazia pose demais de prejudicado para realmente ser um. Devia ter feito algo de errado tipo traição, e agora ainda estava a jogar na cara dela que era culpa dela mesmo, que ele só tinha feito aquilo, por isso isso e aquilo, pequenas miudezas do passado que ele guardara com carinho para um dia se vingar.
Ela continuava com cara de errada na situação, e tentava desesperadamente encaixar uma frase em qualquer intervalo que aparecesse no discurso inflamado-silencioso do rapaz. A essa altura dos acontecimentos o ônibus da presidente já tinha encostado, os que iam embarcar se aproximavam da porta e como o casal estava sentado alí perto minha visão foi bloqueada.
Não pude vêr se ela conseguiu dizer mais alguma coisa, nem se isso fêz alguma diferença, porquê aí veio o pior, o imperdoável, ela ainda falava quando ele se levantou, pegou sua bolsa, e esperou ela levantar também, como quem diz: "aah tá bom, cansei, não quero mais saber. Levanta." Ela se levantou. E então ele deu um beijo rápido nela, desses de despedida apressada, encerrando a quase conversa, matando o defunto morto, que ele mesmo tinha ressuscitado minutos antes. 
A cena acaba com ela indo embora, e ele subindo no ônibus, com uma invejável cara de despreocupação, como se nada tivesse acontecido ali. E eu, ainda acho que o culpado era ele. Se não por algo que tinha feito antes dalí, ao menos era com certeza culpado por fazer uma moça chorar em público por qualquer motivo besta que não era culpa dela, por não ouvi-la explicar o que nem precisava, por ser ele e ter feito aquela cena toda e, o mais absurdo, por se despedir daquela forma descarada, como quem diz:
"_ Tudo bem, eu te perdôo. Mesmo que você não saiba do que estou falando, mas eu sei. Por um minuto eu estive perto de perder a pessoa que talvez seja a melhor amiga que eu possa ter no mundo, certo que você nunca vai entender o que se passou aqui hoje. Mas por um minuto eu pensei melhor e..."*

Bom, é isso, foi o que eu vi...
Depois eu entrei no ônibus, ele também entrou. Não soube para onde ia, mas não era para Ubaporanga.  Pela bolsa o mais certo é que  ia para BH, mas se ia ou se voltava, eu não sei só lembro agora que, com algum humor pensei: ' Talvêz fosse culpa dela mesmo, por ter esquecido de colocar o par de meias preferido dele na bolsa. Isso sim seria um drama."

edo...

* Diesel - única boate de Caratinga, freqüentada por Playboys, apenas.
* "..." - forma como conclui o texto que fez o Edo lembrar deste...
* Título original de Eduardo.

Comentário de Lílian:

Talvez a pazinha do sorvete que tinham tomado antes de se despedirem não era azul. Isto implica sérios problemas.

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Pesquisa

04/08/2009

No final de 2007 eu perdia o sono semanalmente pensando em algum texto. O cansaço físico me impedia levantar da cama para anotar os poemas, textos e frases que vinham à cabeça. Criei então o Segundo Lílian, em Junho de 2008. Postando anotações feitas na madrugada, sonhos rememorados na manhã seguinte, inspirações do meio do sono vespertino. Sem habilidade de escrita tive um blog trágico, perdi meus leitores e a vontade de escrever.
No final daquele ano resolvi criar o Insônia Registrada. Já que todos meus textos eram decididos durante a insônia, ou me tiravam o sono. Era um novo blog, pensado diferente, com novo tema, nova forma de escrita, novo visual - que já foi modificado uma dezena de vezes - além de agora um período de vida bem mais traduzível em letras.
Hoje, o blog já virou um vício. Textos, links, vídeos, descobertas, lembranças... tudo vem pra cá. Tirando o sono de quem lê também. Tamanho vício me levou a criar um blog de esportes, um de filme, participar brevemente de um blog de humor e me fez até perder a vergonha do Segundo Lílian.
Porque segundo Lílian, a insônia será registrada.