Pazinha Azul (em outras aventuras)

Muitas vezes olhava para um animal ou uma planta e perguntava-se àquele/àquilo se podia pensar. Se o cachorro guardava lembranças, se antes de morrer re-assistiria toda sua vida e seria tão humana quanto baleia - a famosa do Graciliano. Outras vezes se perguntava se uma planta era capaz de sentir o carinho que lhe fazia, e se era capaz de entender o que era um carinho.
Ficava-se imaginando no corpo de outros objetos, querendo sentir-se planta, mesa, sol... Quando na verdade ele nunca tinha sentido-se homem, humano. Não possuía nenhuma pazinha azul, nem tinha boas recordações, vivia a buscar a natureza, sem instinto filosófico, religioso ou qualquer forma de felicidade, mesmo que enrustida.

Numa tarde destas, sem saber se era outono ou inverno resolveu sair para caçar insetos. Aos passos curtos se afastou da civilização, com sua câmera conseguia precisas imagens de joaninhas, borboletas, flores e sombras de coisas que ele nunca viria a ser.
Resolveu desviar o caminho da estrada de terra e seguir into the wild procurou entender algum tipo de lógica ou organização no crescimento daqueles raminhos de mato à beira da trilha que seguia. Depois do fim da bateria da câmera resolveu deitar lá perto do sol.
Ele não entendia porque, mas sabia que estava mais perto do sol que lá atrás. Então esparramou-se pelo chão empoeirado e ficou esperando o sol se pôr enquanto se atreviam as primeiras estrelas. Vigiava o céu esperando por cada estrela, "aquela ali surgiu agora", "nossa surgiu outra enquanto eu olhava pra lá" e o sol já estava tão longe dele, que não clareava mais.
Encheu os pulmões de ar e soltou devagarzinho, cansando-se da profissão de dono das estrelas. Pensou como gostaria de ser um pequeno príncipe e remoer três vulcõezinhos todos os dias, ou ter uma plantinha só dele para cuidar. Encheu os pulmões outra vez.
Sentiu um coração batendo tão longe que se não prestasse muita atenção não conseguia ouvi-lo. Abriu os braços e as pernas, como se fizesse um anjo de poeira (neve) e sentiu cada contorno do seu corpo. Os pés, os dedos, a poeira incrustada no cabelo, os olhos a piscarem, os cílios a quase imperceptivelmente tampando um pedaço de visão, a pele seca e rachando de frio.
Sentiu-se homem. Sentiu-se humano. E percebeu que só agora sabia o que era se sentir algo. Imaginou se as borboletas, as ovelhas, as plantas e os animais sabiam que eram o que eram. Se já tinham se sentido, ou se ele era o primeiro no mundo. Se era do instinto que todos soubessem, se era o último do mundo.
E o sol, que tanto se afastou. Parecia aquecer agora dentro dele. E já não lhe cabia mais aquela história de que o sol nasce no Japão, a não ser que cada pessoa fosse um japão particular. E tirou do bolso a pazinha azul.

1 comentários:

Anônimo 18 de julho de 2009 às 09:01  

(febre comentarística né?)

Adorei essa continuação não continuada da saga da pazinha azul.
Acho que daqui a um tempo você vai poder juntar todas as partes e fazer um livro tipo "crônicas de nárnia" (que eu não li, mas queria)

O seu vai chamar: Crônicas de Lílian. Aaron, o caranguejo e a pazinha azul.

Pesquisa

04/08/2009

No final de 2007 eu perdia o sono semanalmente pensando em algum texto. O cansaço físico me impedia levantar da cama para anotar os poemas, textos e frases que vinham à cabeça. Criei então o Segundo Lílian, em Junho de 2008. Postando anotações feitas na madrugada, sonhos rememorados na manhã seguinte, inspirações do meio do sono vespertino. Sem habilidade de escrita tive um blog trágico, perdi meus leitores e a vontade de escrever.
No final daquele ano resolvi criar o Insônia Registrada. Já que todos meus textos eram decididos durante a insônia, ou me tiravam o sono. Era um novo blog, pensado diferente, com novo tema, nova forma de escrita, novo visual - que já foi modificado uma dezena de vezes - além de agora um período de vida bem mais traduzível em letras.
Hoje, o blog já virou um vício. Textos, links, vídeos, descobertas, lembranças... tudo vem pra cá. Tirando o sono de quem lê também. Tamanho vício me levou a criar um blog de esportes, um de filme, participar brevemente de um blog de humor e me fez até perder a vergonha do Segundo Lílian.
Porque segundo Lílian, a insônia será registrada.