Super-homem não. Pernalonga sim.

De: 28/05 (19:23)

Naquele tempo meu pai trabalhava em Realeza, acordava todos os dias às 5 da manhã, preparava-se e pegava a estrada. Por um tempo foi de ônibus, outro de carro. Não sei se nesta época ele ia de carro ou ônibus, mas provavelmente parava na padaria Massa Real e comia um salgado, ou algo que lhe relembrasse sua infância.

Sempre percebi que meu pai gosta bastante de padaria, pelo que ele conta acho que é porque quando criança ele não tinha lá muitas oportunidades para experimentar aqueles salgados e doces da vitrine. O mais próximo que experimentava eram os doces feitos por minha avó e as tias dele.

O fato é que ele saía às 5 da manhã e só voltava às 19 horas, chegava em casa bem cansado. Me pegava no colo e enchia minhas mãos com algo que tivesse comprado no caminho, fosse bala, chocolate, chiclete, pirulito, um biscoito ou como eu preferia chamar: coisa.

Eu vinha lá da sala de TV até a porta da cozinha, como se fosse um grande percurso, e gritava feliz:

_ Pai tloce coisa? Tloce coisa?

Se meu grito de felicidade na esperança de comer tudo que minha mãe achava inútil e dizia não ter dinheiro para comprar não fosse suficiente pra comovê-lo quando não trazia nada, meus braços cruzados e bico de criança embirrada faziam-se suficientes para que ele fosse até o lugar mais próximo e comprasse uma bala, pelo menos. Exceto nas segundas-feiras.

Meu pai incentivava minha infância, talvez por saudade da dele. Talvez por ser o jeito dele mesmo. Não me negava muita coisa, só quando minha mãe acenava que não pelas minhas costas ou quando ele realmente não tinha dinheiro. Por isso meu pai e eu éramos tão amigos.

E eu quase não percebia que esperava com ansiedade pelos fins de semana, só pra sentar no colo dele, ganhar o chocolate que eu escolhesse na vitrine e ir pros bares sendo exibida pros amigos dele como um trofeuzinho que falava. Ainda assim eu me sentia carente de pai, afinal não adiantava eu desenhar a tarde toda se nunca encontraria tempo pra mostrar pra ele.

Nunca pensei em considera-lo como herói. Até porque heróis eram homens como o Super Homem, que por sinal era um desenho muito chato, “o meeeeeeeu pai” me ensinava a gostar de Pernalonga – nosso desenho preferido – e de ler revistinhas em quadrinhos.

O grande erro na receita toda foi eu ter crescido. Mesmo que aos doze anos ele ainda me chamasse de “teco-teco”, e aos quinze de “tchuca-tchuca”, nós dois sabíamos que eu tinha crescido e ele envelhecido. Ele não tinha mais pique pra me trazer no colo da sala de TV até o quarto quando eu pegava no sono, e eu não tinha mais coragem de fingir que tinha pegado no sono só pra ele me trazer; a noite quando eu acordava não tinha nenhum sinal de que meu pai tinha passado pelo quarto, como ele ter feito conchinha de lençol em mim. Por falar em conchinha, ele nunca mais fez “trouxinha de alface” e colocou na minha boca me pedindo pra adivinhar o que tinha dentro.

Mas hoje, quando sentei na varanda – lugar da casa que ninguém nunca vai, a não ser pra estender a toalha, e não sei como aprendi a gostar de lá – e fiquei lendo o resto de um livro, vi dois postes acenderem lentamente. Primeiro eles dão uma piscadinha, ai ficam com uma luz bem fraquinha, um pouco roxa, depois acendem de vez em três piques. E os postes acendendo meu pai só mostrou uma vez, quando ele me contou que ele assistia os postes acendendo quase todos os dias, depois que ficava escuro demais pra jogar futebol, ou quem sabe – e esta parte ele não contou – enamorar as prateleiras da padaria.

* não sei se já postei

2 comentários:

BRUNO 26 de junho de 2009 às 22:38  

poxa, lílian, que lindo tudo isso que vc anda escrevendo. esse do seu pai ficou maravilhoso.

Wilson Ossoguju 7 de julho de 2009 às 02:16  

Bonito, bonito... concordo com o Bruno aí em cima.

Pesquisa

04/08/2009

No final de 2007 eu perdia o sono semanalmente pensando em algum texto. O cansaço físico me impedia levantar da cama para anotar os poemas, textos e frases que vinham à cabeça. Criei então o Segundo Lílian, em Junho de 2008. Postando anotações feitas na madrugada, sonhos rememorados na manhã seguinte, inspirações do meio do sono vespertino. Sem habilidade de escrita tive um blog trágico, perdi meus leitores e a vontade de escrever.
No final daquele ano resolvi criar o Insônia Registrada. Já que todos meus textos eram decididos durante a insônia, ou me tiravam o sono. Era um novo blog, pensado diferente, com novo tema, nova forma de escrita, novo visual - que já foi modificado uma dezena de vezes - além de agora um período de vida bem mais traduzível em letras.
Hoje, o blog já virou um vício. Textos, links, vídeos, descobertas, lembranças... tudo vem pra cá. Tirando o sono de quem lê também. Tamanho vício me levou a criar um blog de esportes, um de filme, participar brevemente de um blog de humor e me fez até perder a vergonha do Segundo Lílian.
Porque segundo Lílian, a insônia será registrada.