Aos cuidados de sua dama


Finalmente me ocorreu um texto. (Semi-baseado em fatos reais contados por terceiros, ou quartos).

O homem pendurava sob a idade que dizem "velho demais" quando vai na boate, ou arruma uma "namoradinha nova". E que dizem "tão novo" se morre. Sim, ele perambulava entre seus 45 ou 50 anos. De fato já não ia a boates nem mantinha alguma namorada nova, desde que descobriu-se com câncer.
A ex-mulher, tão atual como nunca, o mantinha vivo. Dava-lhe os remédios na hora certa, a comida pela sonda, levantava ou abaixava o travesseiro, abria e fechava a janela, dava-lhe o banho e ligava uma vitrolinha velha às vezes para que ele não esquecesse a letra de sua canção preferida - Vida de gado - Zé Ramalho.
Depois de 3 anos sob o cuidado de sua "ex-mulher" ele finalmente percebeu o que encontrou naqueles olhos por tanto tempo de sua vida. É que depois de separados ele se perguntava cotidianamente o porque de ter-se casado com ela. E divulgava a teoria:
_ Quando se casa a mulher está nova, mas se você se casa tem de aceitar o envelhecimento dela. Mas posso continuar namorando com a mesma jovem para o resto da vida se eu nunca me casar com ela, e de dois em dois anos essa jovem pode até trocar de nome, endereço... - e ria alto.
Agora ali entre a morte e a falta de vida não conseguia ver felicidade na vida boêmia, sonhava em poder envelhecer e trocaria tudo que tinha feito durante os tempos de divorciado por um dia de saúde ao lado de sua mulher. Simplesmente queria sentar com ela na beira de um lago e ensinar-lhe pescar.
Enquanto imaginava uma cura impossível e desejava ter tudo de novo para poder recomeçar do zero e recompensar sua única e fiel esposa ele percebeu a dor do lado esquerdo do pescoço. Acontece que estava virado daquele jeito fazia bastante tempo. Os olhos no olho do gato e o gato nem se movia. Tentou se virar, e antes que tentasse a mulher já estava lá virando-o como se pudesse adivinhar, e podia.
Ela estava saindo do quarto quando ele se esforçou, esticou um pouco mais os dedos. Ela parou observou seus movimentos sem entender o sinal, ainda não conhecia aquele. Aproximou-se para ver o que podia ser, pôs a mão em sua mão. E de repente ele apertou sua mão.
Apertou como no dia em que se conheceram num baile de carnaval na casa de sua prima, como apertou quando se casaram, quando nasceu o filho mais velho... os olhos fechados lacrimejavam, como no dia em que morreu o filho do meio, o dia em que foram despejados da antiga casa e o dia que se separaram. E antes que pudesse terminar de lembrar tudo ele sorriu, como só sorrira agora, o dia em que a reconheceu pela primeira vez como deveria ter feito antes de casarem-se.
Ela devolveu-lhe o aperto cobrindo sua mão com a outra mão que lhe sobrava. Deu um beijo em sua mão e acariciou-a como quem perdoa, como quem entende os reflexos do marido e como quem nunca foi ex-mulher. Só então, de olhos fechados, com toda humildade que só ela era capaz de ter, toda a força e sensibilidade que se pode encontrar em uma mulher, soltou-lhe a mão e deixou que o frio que a percorria tomasse todo o corpo do marido.
_ Também te amo! - e saiu do viúva do quarto.

* Ilustração de cópia não-autorizada. ®Edoblog.

1 comentários:

Anônimo 25 de junho de 2009 às 08:51  

Ilustração autorizada, agora.

edo...

Pesquisa

04/08/2009

No final de 2007 eu perdia o sono semanalmente pensando em algum texto. O cansaço físico me impedia levantar da cama para anotar os poemas, textos e frases que vinham à cabeça. Criei então o Segundo Lílian, em Junho de 2008. Postando anotações feitas na madrugada, sonhos rememorados na manhã seguinte, inspirações do meio do sono vespertino. Sem habilidade de escrita tive um blog trágico, perdi meus leitores e a vontade de escrever.
No final daquele ano resolvi criar o Insônia Registrada. Já que todos meus textos eram decididos durante a insônia, ou me tiravam o sono. Era um novo blog, pensado diferente, com novo tema, nova forma de escrita, novo visual - que já foi modificado uma dezena de vezes - além de agora um período de vida bem mais traduzível em letras.
Hoje, o blog já virou um vício. Textos, links, vídeos, descobertas, lembranças... tudo vem pra cá. Tirando o sono de quem lê também. Tamanho vício me levou a criar um blog de esportes, um de filme, participar brevemente de um blog de humor e me fez até perder a vergonha do Segundo Lílian.
Porque segundo Lílian, a insônia será registrada.