Dez minutos

Era uma tarde de ar seco. O sol cansado amarelava no poente. Dali não se ouvia muito barulho da cidade, às vezes algum grito vindo de uma vilazinha ali perto, lá em cima uma pipa tentava resistir sem muito vento, era gostoso imaginar o rosto da criança que a empinava, e que os gritos ali ouvidos eram dela.
Ele olhava pra pipa, depois pra sua mão. Se imaginava com um carretel e ... aos poucos foi se lembrando de um tempo distante, quando ele e seu pai saíam para caçar gambás à noite. Estava ali entre o revolver em sua mão e a estrada que passava às suas costas.
Pensava em se matar, acabar com tudo. Suas memórias estariam perdidas para sempre, não teria filhos para ensinar a caçar gambás, ou empinar pipas. Nunca mais veria cena igual àquela. O sol no poente transformando em sombra toda a paisagem. E o pinheiro ao seu lado.
Engolia seco. Começou a chorar e rir sem entender o motivo, queria um abraço, um soco. Era tanta coisa se misturando, tanta alegria, tanta tristeza. Tudo que já passara na vida, que demorara pra se desprender, agora se passavam de novo. Enfiou-se o revolver pela lateral da cabeça, respirou fundo e ameaçou puxar o gatilho. Quando uma voz  - que não era grito – interrompeu-o.
_ O que há de não finito pra se acabar agora?
Ele nem sabia como responder, nem mesmo entendeu o que lhe foi perguntado. Chorou um pouco mais e abaixou a cabeça – e a arma.
_ Você tem 10 minutos pra me fazer sorrir, rir, gargalhar. O que for. Dez minutos, se conseguir a arma é sua.

3 comentários:

Anônimo 8 de setembro de 2009 às 10:15  

Me ache insensível.
Mas meu lado mais justiceiro diria a ele: Olha, se você não é capaz de reconhecer o quanto é preciosa a sua vida, o que ela representa e pode representar, se não pra você mas para outras pessoas, o quanto cada segundo é essencial e inestimável. Então meu amigo, já vai tarde.

edo...

Anônimo 8 de setembro de 2009 às 10:34  

Mas eu não teria coragem. :(
Aí eu ia fazer de tudo pro sujeito rir e se ele me entragasse a arma uhmmm... ...aí ele tava no sal.
Eu ia esfregar a cara dele no pinheiro.
:)

edo...

Ana 8 de setembro de 2009 às 13:29  

O pinheiro também ficou martelando em minha mente.
Talvez o tiro fosse suficientemente gracioso para despertar o riso.

Pesquisa

04/08/2009

No final de 2007 eu perdia o sono semanalmente pensando em algum texto. O cansaço físico me impedia levantar da cama para anotar os poemas, textos e frases que vinham à cabeça. Criei então o Segundo Lílian, em Junho de 2008. Postando anotações feitas na madrugada, sonhos rememorados na manhã seguinte, inspirações do meio do sono vespertino. Sem habilidade de escrita tive um blog trágico, perdi meus leitores e a vontade de escrever.
No final daquele ano resolvi criar o Insônia Registrada. Já que todos meus textos eram decididos durante a insônia, ou me tiravam o sono. Era um novo blog, pensado diferente, com novo tema, nova forma de escrita, novo visual - que já foi modificado uma dezena de vezes - além de agora um período de vida bem mais traduzível em letras.
Hoje, o blog já virou um vício. Textos, links, vídeos, descobertas, lembranças... tudo vem pra cá. Tirando o sono de quem lê também. Tamanho vício me levou a criar um blog de esportes, um de filme, participar brevemente de um blog de humor e me fez até perder a vergonha do Segundo Lílian.
Porque segundo Lílian, a insônia será registrada.