Os Dois Lados Da Rua

Inquietas pernas debaixo da mesa do colégio, olhar parado, uma gota se sangue escorria do lábio até o queixo, por auto-violência: mordera a sí mesmo de tanta euforia. Tinha medo de olhar para os lados e encontrar quem ou o que estava procurando, medo de abrir a boca e só sair vogais desintonizadas. Um vento frio queimava o rosto de todos ao redor, mas ele estava imune com sua proteção invisível.
Sua camiseta branca com a sombra negra de um crânio passava despercebida sob o olhar distorcido do garoto, que mais parecia a personagem de um filme sem fim. Em passos reticentes levantou-se da janela, limpando o sangue com a mão, limpando a mão na camisa e tornando mais medonha sua imagem.
Apoiou-se no parapeito da janela, mirou o outro lado da rua: o banco. Odiava o capitalismo, odiava ter que estudar de frente para o maior banco do país. E de repente esqueceu o motivo pelo qual estava mordendo os próprios lábios, quando riu com o cinismo do que via. Um mendigo deitado na porta do banco, era o maior contraste capitalista. Se tivesse uma câmera, se fotografasse a cena...
Olhou para os lados, uma criança gorda e loira com cara de crianças americanas foi correndo em direção ao mendigo, um enorme hamburguer na mão, um chute no rosto do velho.
Em tantos anos, aprendera a ver mentigos como homens sujos de cabelos grisalhos. Se lhe perguntasse ele não sabia dizer a cor do olho de um, a cor da roupa (não era marrom? tinha a impressão que era sempre marrom). Pela primeira vez tiha se interessado por um mendigo.
_ É uma figura simbólica. Simbolisa o capitalismo como ele é, de fato.
A professora entrou na sala, o menino sentou-se na cadeira. HISTORIA, foi escrito em letras grafais no quadro-negro (que era verde). Dez minutos depois estava lá o garoto, apresentando um trabalho, tinha que defender o capitalismo numa espécie de júri mal montado pela professora:
_ O capitalismo? O que ele fez de errado? Olha aquele mendigo ali do outro lado da rua, levantem-se olhem na janela. Ele fez algo de errado, nós não. Pra ele passar fome alguém tem que ficar rico, e ter toda a fortuna que ele teria. Isso é justo, não? - e debochou-se.
Ao fim do bimestre, uma bela de uma nota capitalista.

3 comentários:

Anônimo 14 de abril de 2009 às 12:38  

Tanto ódio pelo capitalismo...

Odeio (se sei odiar alguma coisa) o capitalismo bem menos por ele ser cruel e sanguinário, do que por ele fazer nascer o sentimento de ódio em pessoas que na minha humilde opinião jamais precisariam conhecer isso.
Se alguem devia ter sentimentos ruins, deviam ser os que mais se aproveitam desse sistema.
Que os donos de bancos, e os grandes empresários e todos aqueles que se afortunam facilmente por aí... ...que estes carreguem o peso de sentir ódio, rancor, inveja, tristeza e toda sorte de sentimentos infelizes.


Não sei se disse algo com sentido... ...ainda estou doente.

edo...

Bruno de Abreu 15 de abril de 2009 às 00:25  

mendigos... são realmente figuras míticas por aqui

mas eles dizem muito enrolados de frio numa roupa sem cor. são o retrato perfeito do desamor (dos outros)

e mais umas condiderações sobre mendigos...

minha mãe deu pra me contar que o pai de uma santa que não me lembro o nome tinha o hábito de levar os mendigos pra casa, oferecer banho, janta, roupa... e depois ainda pedia pro cara abençoar a família inteira!

outra figura demais de interessante é a dos mendigos alcoólatras que frequentam igreja... vc não tem idéia de como existe isso (ou tem, sei lá, é só por força de expressão). são o retrato da busca por algo a mais, que todo mundo, no fundo, empreende...

(tudo bem que eles fazem isso bêbados... mas, sei lá, às vezes só assim pra sair um pouco de si mesmo, não que seja essa a melhor maneira de enfim, enfim...)

sobre sua escrita:

mas como vc descreve, hem?.... aquele começo ficou demais!

(ah, só uma observação: não leve meus comentários a sério demais, embora eu tenha certeza que vc não deve fazer isso.Tenho a impressão de que às vezes parece que fico te criticando demais e outras vezes que parece que eu meio que te idolatro... comentários são um gênero difícil pra mim)

Anônimo 16 de abril de 2009 às 12:37  

...ei!??

Agora pareceu até eu falando!
Creeeedo!!


edo...

Pesquisa

04/08/2009

No final de 2007 eu perdia o sono semanalmente pensando em algum texto. O cansaço físico me impedia levantar da cama para anotar os poemas, textos e frases que vinham à cabeça. Criei então o Segundo Lílian, em Junho de 2008. Postando anotações feitas na madrugada, sonhos rememorados na manhã seguinte, inspirações do meio do sono vespertino. Sem habilidade de escrita tive um blog trágico, perdi meus leitores e a vontade de escrever.
No final daquele ano resolvi criar o Insônia Registrada. Já que todos meus textos eram decididos durante a insônia, ou me tiravam o sono. Era um novo blog, pensado diferente, com novo tema, nova forma de escrita, novo visual - que já foi modificado uma dezena de vezes - além de agora um período de vida bem mais traduzível em letras.
Hoje, o blog já virou um vício. Textos, links, vídeos, descobertas, lembranças... tudo vem pra cá. Tirando o sono de quem lê também. Tamanho vício me levou a criar um blog de esportes, um de filme, participar brevemente de um blog de humor e me fez até perder a vergonha do Segundo Lílian.
Porque segundo Lílian, a insônia será registrada.