1428

Viu a data no jornal. Apoiou os cotovelos no joelho. De lado anotou no rodapé: a data, mesmo que não fosse lembrar no dia, mesmo que não fosse ler o rodapé depois. Anotou a data do jornal, no rodapé. Na TV passava a guerra e na janela os carros. Preferiu a janela.
Um vermelho, outro branco, dois cinzas, azul marinho e um preto de luxo. Sentiu sua vida correr com os carros. Percebeu. Notou que a vida ia passando em contagem regressiva sem que soubesse em que número estava. Talvez lhe faltasse pouco. Caminhou até a casa, alongou os braços e bocejou. Espreguiçou.
A música bem baixa pra espantar a solidão. Ela estava só, mas não sentia solidão. Mesmo assim, a chuva insistiu em visitá-la. Visita é com s, pensou sozinha. Buscou um livro na estante, dois quadros na parede. Na varanda sentou ao sol, evitou as cadeiras, usou o chão.
Com os olhos percorreu a grama do vizinho, escorreu os pensamentos e anotou: 1428. Sem lembrar o motivo. Pensou em espanhol e concluiu em francês: Le Monde e sorriu achando engraçado que a paz só existia onde havia o caos. Resolveu pensar grego e tropeçou na mortalha de Penélope e procurou seu Dionísio.
Tentou lembrar de novo de onde vinha o número, não conseguindo foi dormir. Aquela noite sonhou muito, sonhou com sua velha casa, onde moravam os pais, na Rua Dionísio, São Paulo - SP, 1428, ap. 203. E acordou!

1 comentários:

Bruno de Abreu 16 de janeiro de 2010 às 23:27  

"evitou as cadeiras, usou o chão"

a gente fica mais perto de nós mesmos sentados no chão

e você entende de narrar, hem.queria conseguir uns escritos espontâneos assim

Pesquisa

04/08/2009

No final de 2007 eu perdia o sono semanalmente pensando em algum texto. O cansaço físico me impedia levantar da cama para anotar os poemas, textos e frases que vinham à cabeça. Criei então o Segundo Lílian, em Junho de 2008. Postando anotações feitas na madrugada, sonhos rememorados na manhã seguinte, inspirações do meio do sono vespertino. Sem habilidade de escrita tive um blog trágico, perdi meus leitores e a vontade de escrever.
No final daquele ano resolvi criar o Insônia Registrada. Já que todos meus textos eram decididos durante a insônia, ou me tiravam o sono. Era um novo blog, pensado diferente, com novo tema, nova forma de escrita, novo visual - que já foi modificado uma dezena de vezes - além de agora um período de vida bem mais traduzível em letras.
Hoje, o blog já virou um vício. Textos, links, vídeos, descobertas, lembranças... tudo vem pra cá. Tirando o sono de quem lê também. Tamanho vício me levou a criar um blog de esportes, um de filme, participar brevemente de um blog de humor e me fez até perder a vergonha do Segundo Lílian.
Porque segundo Lílian, a insônia será registrada.