Velhinhos me enchem de saudade

Angelina Corcino Carvalho de Alcantara e Pedro Alcântara.

Assim como todos avós, eles se casaram numa sociedade estranha, machista. A história do meu avô é uma história feminista (?), ele foi criado pela mãe: o pai morreu, a mãe era durona: um pai. Meus tios contam que a minha bisa atirou em dois homens que tentaram roubar seu estoque (dois casos diferentes) Meu vô cresceu durão, querendo mandar e desmandar, dando tiros verbais.
Minha avó vem dos antigos pensativos, filosóficos, calmos, católicos. Família grande, de mortes precoces, família que vive muito, bisavó morreu com 99 anos, e ela – Angelina - já tem 89.




Depois de criarem 7 filhos – meu pai é o sexto – cinco homens e duas mulheres. Meu avô mudou pra uma casa no fundo do quarteirão que minha avó morava, passando por cima das outras casas, uma linha reta pra casa da vó. Sem ninguém – nem eles – perceber, ainda viviam uma história de amor.
Muito elétrico o Sr. Pedro (sô Pedro) subia e descia o morro várias vezes ao dia, fazia feira, compra, conversava com os amigos, comprava presente pros netos e netas e resmungava bastante. Apesar de durão, briguento e birrento o cara era dócil, mas só quem pedia bença consegue explicar onde ficava a doçura.
Um dia caiu no quintal de casa e quebrou a perna, ficou manco por toda a vida. Daí então passou a almoçar na minha casa. Sempre chegava com uma sacolinha de manga e nunca deixava me limparem os braços, porque manga sem lambusar o cutuvelo é uma fruta qualquer, menos manga.
Fui bem mimada pelo vô e suas mangas. Suas piadas. Seus sorrisos. Seus óculos de grau escuros e seu colo. Quando penso em meu avô não me vem dia de chuva na cabeça. Vem sol, seu grande quintal, as mudas de café, as mangas na sacola, os almoços em família. E só de pensar que tudo isso morreu junto com suas doenças e complicações dá medo de continuar.
Mas só do outro lado da família eu encontrava um pé de manga. Por mais que eu insistisse sempre que deviam plantar uma mangueira no quintal do vô, meu pai não me convencia que não era tão simples assim e que ia demorar pra crescer, então eu chupava as mangas no outro lado da família e guardava o caroço no bolso pra mostrar pro meu avô – mas perdia antes de faze-lo, é claro.

Pela primeira vez na vida sonhei com minha avó. Tive medo dela levar o que ainda resta da família embora. Abracei-a por muito tempo no sonho, e tive vontade de chorar. Acordei com o nariz incomodando. Senti falta do meu avô.
Lembro como eu fiquei triste quando ele morreu, como eu chorava na escola e me sentia culpada de alguma forma por não ter acompanhado tanto ele no fim da vida. Quando caducou e já nem sabia que seu açougue sumira bem antes que eu nascesse, e às vezes pedia meu pai pra prender o boi que fugiu da cerca, aliás quando ele morreu a cerca tava quebrada.
Velhinhos na minha vida são poucos, não conheci meus avós maternos – mas choro quando falo da minha avó materna – tive uma avó adotiva Vó Nora, meus avós dos quais falo, o sô Malvino – da minha rua e não to lembrando de ninguém mais. O Malvino era o que trazia jabuticaba pra mim toda vez que tinha e também morreu levando seus olhos azuis, sua calçada playground e o ar de mistério que sua casa me trazia.
Foi pensando nisto que escrevi um poeminha agora de madrugada, meu primeiro poema naquele formato do Bruno e da Alice.

Do pé de manga
no morro do sítio
sinto falta
do meu avô
E do de jabuticaba
falta de alguém
pra dividir
as frutas cor-de-olhos
Lá no fundo
do mar
que não tem
aqui
uma concha me espera
Algo
- sem saber -
me expulsa de casa
é que
minha mãe diz
que não tem pé de conchinhas
a solução
então
é catar
manga com jabuticaba
na beira-mar

Dois dados (de seis lados cada um):
- Na foto, meus avós paternos. Meu avô - com Alzheimer - já não reconhecia minha avó, que receiosa preferiu não se apresentar.
- Sinto saudades precipitadas da minha avó.

3 comentários:

Bruno de Abreu 31 de outubro de 2009 às 12:09  

este post: um clássico lílian. muito bem escrito, hein.

John Deere 1 de novembro de 2009 às 16:33  

Ow minha querida, acabei de twittear teu blog, pq me identifiquei muito contigo e teus escritos. Paz, profunda, nesse coraçãozinho! E saiba, tenho histórias parecidas dos vôs e vós. E também sinto falta e culpa de não tê-los acompanhado mais quando era jovem e tolo. Beijão!

Anônimo 1 de novembro de 2009 às 19:57  

John Deere... Nome legal.
A primeira parte ótima. Na segunda não opino, que de poesia eu realmente não entendo.

edo...

Pesquisa

04/08/2009

No final de 2007 eu perdia o sono semanalmente pensando em algum texto. O cansaço físico me impedia levantar da cama para anotar os poemas, textos e frases que vinham à cabeça. Criei então o Segundo Lílian, em Junho de 2008. Postando anotações feitas na madrugada, sonhos rememorados na manhã seguinte, inspirações do meio do sono vespertino. Sem habilidade de escrita tive um blog trágico, perdi meus leitores e a vontade de escrever.
No final daquele ano resolvi criar o Insônia Registrada. Já que todos meus textos eram decididos durante a insônia, ou me tiravam o sono. Era um novo blog, pensado diferente, com novo tema, nova forma de escrita, novo visual - que já foi modificado uma dezena de vezes - além de agora um período de vida bem mais traduzível em letras.
Hoje, o blog já virou um vício. Textos, links, vídeos, descobertas, lembranças... tudo vem pra cá. Tirando o sono de quem lê também. Tamanho vício me levou a criar um blog de esportes, um de filme, participar brevemente de um blog de humor e me fez até perder a vergonha do Segundo Lílian.
Porque segundo Lílian, a insônia será registrada.