A criança - pura, ingênua, apenas criança - as vezes se passava por muda de tanto silêncio, tantas interrogações sem a quem dirigir. A ausência ao seu redor era intacta, quase imperceptível ao observar seu semblante opaco, mudo, pensativo...
Às vezes deixava escapar um sorriso singelo, ou uma lágrima angustiada. Talvez nem ela mesma soubesse de onde vinha suas emoções, e o que pensava enquanto as liberava, libertava. E sem querer sorria para o sol pensando na sua capacidade de liberdade, tão livre e independente, mas ele continuava ali: a nascer dia após dia, mantinha a monotonia de sempre, nascer e se pôr. Ele podia muito bem sair pelo espaço, conhecer planetas e galáxias. Mas num ato exemplar mantinha seu trabalho: iluminar. De Brasil à Japão de Nipo a ... Brasa - haha - ?
E quando percebia, estava no mesmo sofá. O sorriso, aceso - antes - pelo sol, já apagara-se e mais uma vez estava ali ela refletindo sobre coisas impossíveis e tão ilusórias. Não voltava à sua posição de criança, a não ser pelo fato de questionar, e questionava tanto que as vezes cansava da interrogação, trocava tudo por exclamação e ... "Porque o sol fica parado!", "Porque eu sou assim!". Se seus pais a vissem naquele instante se orgulhariam tanto da filha, ou filho - era só uma criança - otimista.
Na verdade eles nunca a veriam, talvez nem soubessem que ela existia, ou sabiam e não apareciam? Ela não queria mais questionar. A rua que seguia reta na sua direção esquerda, e curva à direita estava quase deserta. A não ser pela presença de um passarinho meio colorido e uma senhora que catava papelão.
Sem porque, sem pra quê. Levantou-se e seguiu a dona.
Uma troca de olhares, um silêncio quebrado pela respiração ofegante e pouco depois:
_ Hoje é meu aniversário. - sem exclamação, ou interrogação... da parte da senhora.
_ Eu não tenho aniversário.
_ Eu também não.
_ Eu não nasci, nem tenho pais! - parecia até orgulhosa de si mesma.
Um abraço mudo, como o sorriso. Como as lágrimas da pequena e adorável - e era adorável? - criança.
_ Me abraça de novo?
_ Porque?
_ Eu senti uma coisa, é como se nem a fome pudesse me atingir, nem a chuva, nem o sol, eu me senti com tanto poder como o daquele, aquele do desenho da Tv, como é mesmo o nome?
Outro abraço.
_ O nome disso é segurança.
_ Não é, os seguranças são os que me batem quando eu entro no mercado.
A mulher, seu aniversário e seus papelões se foram.
Obs: A repetição da palavra criança, sem motivo, foi proposital.
5 comentários:
Linda como sempre a sua prosa! E como sempre perigosa, orgulhosa dona de seus abismos. Uma mistura genuina de Clarice Lispector (intimista) com Graciliano Ramos (expressionista). Mas tudo com uma gana propria, inedita.
2048 !!!
Quando foi !?
Droga ! Eu perdi novamente, a gente não pode piscar no seu blog, que ele muda o milhar.
Mas o vizitante 3000 serei eu !
edo...
Bonito...
Tô lendo um livro chamado "Sabedoria do Nunca" do Juliano Garcia Pessanha e, não sei se por estar imerso na leitura ainda, seu texto me remeteu ao dele. Vou deixar a leitura decantar um pouco e depois te mando um trecho do texto dele.
Ah... a bonitinha da foto é a senhorita?
Quanto elogio pra uma escritora amadora, assim fico de ego grande antes mesmo de publicar um clássico (como se eu fosse publicar algum).
Haha! A bonitinha e bochechudinha da foto sou eu. Me fazendo de acanhada, mas eu não era; na verdade uma piveta... daquelas que quebra tudo que puder na casa e o que não pudesse também. (porque to falando este tanto?)
Hehe bonitinha e bagunceira, então!
Continuaremos te acompanhando e que venham os clássicos! Até mais!
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