Corra enquanto puder

Trata-se de correr.
Tudo trata-se de correr.
Correr trata-se de tempo.
Isto não é um poema, é que são parágrafos curtos.
Mas, quando você corre você tenta diminuir o tempo gasto pra ir de um ponto ao outro ou tenta superar o tempo de outra pessoa que também está correndo.

E é isso.
Você corre o tempo todo e nem se deu conta disso. Corre pelos pensamentos, corre os olhos no jornal, corre na rua, corre contra o tempo, corre de pessoas, corre pras pessoas, corre do trânsito, corre da realidade, corre da irrealidade, da moral.
Prefiro explicar falando de tempo.
Você pode fugir (correr) de tudo, de pessoas, lugares e situações. Mas em momento algum você consegue abandonar o tempo. Não importa que seja dia ou noite no Japão, o tempo é o mesmo. O tempo da Terra, o tempo geral. As horas são um artifício pra TENTAR controlar o tempo, mas se desse certo anos bissextos não existiriam. Agora o tempo é o mesmo, enquanto digito estas palavras alguém dorme, aqui são 02:42 a.m (insônia) e lá são 04:42 a.m, mas estas duas coisas ocorrem no mesmo TEMPO.
É possível viajar no espaço, no universo, no pensamento, no sonho, mas não no tempo.
É impossível controlar o tempo com um relógio, é impossível saber que "horas" realmente é em um lugar, porque não estamos à 15° exatos, as cidades não localizam-se em cima dos meridianos, nem de nenhuma outra linha imaginária, é tudo muito complexo, convenciona-se uma faixa com o mesmo horário, mas no fundo deveriam diferenciar os minutos. Mas é impossível calcular tanto assim pra saber as horas, calcular o lugar exato, pra saber a distância com Londres, e saber exatamente o horário de Londres, e lembrar que a Terra está em expansão e teríamos que recalcular as horas todos os dias.
O tempo é incontrolável, por isto é melhor correr.

Cronologicamente inviável

Aos poucos ela começou a dominar o próprio corpo, a própria mente. Usar 100% do cérebro deveria ser conseguir ser seu analista e você no mesmo segundo, pensar em futebol e conseguir explicar porque você pensa em futebol e não na sua família que tá longe. É que futebol está dentro de você como só você pode explicar. A partir do ponto que seus pensamentos e o que você consegue fazer com ele torna-se inverbalizável ou bíblico quer dizer que você está usando sua capacidade de raciocínio. Ou não!
Ela só percebeu que inventava personagens quando se tornou um deles. Sentada num banco de madeira do lado de uma gritaria qualquer ela proferia idéias bêbadas sem nem usar alcóol ou drogas. Simplesmente conseguia enganar seu cérebro pra que ficasse bêbada sem estourar os neurônios. E se sentia bem assim. O problema de usar os dois lados do cérebro ao mesmo tempo era que apesar de não acompanhar o próprio raciocínio e falar tudo numa ordem cronologicamente inviável ela ainda sabia que estava lúcida, o que queria conseguir falando aquilo e como não ia conseguir.
Então equilibrou-se no meio fio e de braços abertos foi pra casa provando que lucidez em excesso é mais que loucura. Bem mais, bem pior, talvez.

Dopping

Não importa se o seu caminho pra casa é o mais bonito do mundo, depois que acostuma você nem percebe mais. Passa direto pelas árvores, insetos, arbustos, pessoas, carros e pelo céu esverdeadamente azul-vermelho. Sem notar que a natureza muda dia após dia.
Sabe-se lá porque aquele dia voltar pra casa significava um pouco mais, era como se nunca tivesse visto nada ali, bem devagar observava cada detalhe.
Algo lhe cuspia nos ouvidos que tudo ali era diferente, diferente não se sabe de quando mas era.
Quantas pessoas já tinham caminhado por aquelas ruas? Quantos casais abraçados? Há quanto tempo plantaram aquela árvore? Aquela árvore.
Chegou mais perto do tronco largo e percebeu que haviam dois buracos na arvore como se tivessem feito com um machado, outro maior mais embaixo, na outra árvore também e em todas daquela fileira:
_ Boa noite!
Deu um pulo pra trás e caiu no asfalto.
_ Eu só posso estar sonhando, quer dizer, vocês criam vida à noite?
A placa ao pé da faixa de pedestre (um homem atravessando à rua amarela da placa) começou a passar em velocidade rápida lhe despejando mil imagens, atravessando a faixa, um tigre, uma mulher, placas de porta de banheiro, placas de animais atravessando a pista e a imagem de todas as placa que ele vira ou não em sua vida.
A lua tava linda e cheia com seu brilho prata iluminando as ruas como se fosse dia.
As lixeiras se balançavam com pressa, ventava muito, mas um vento quente.
Dois galhos trepavam no chão, faiscando sementes
_ Vá pra casa antes que a gente volte ao normal.
_ Por que?
_ Ouça o conselho de quem mais te acolhe, ouça a rua que você tanto chama de natureza.
_ Mas me diz quando vocês ficam assim.
_ O primeiro dia do último ciclo de lua nova. De 3 às 4 deste dia estaremos esperando por você aqui.
Tudo ficou preto. E a lua cheia se esvaziou. De repente.


Aliás vou recomendar um livro: Por preguiça de digitar no google o nome do livro e aprender a escrever o sobrenome do autor (o mesmo do O Mundo de Sofia) vou deixar só o nome do livro mesmo: O Curinga

Diogo

Uma ou duas semanas se passaram sob o pesar da dor da morte de minha mãe, eu sabia que aquela comida mal feita não era a dela, mas o tempo todo não me dei conta que ela não estava simplesmente doente. Muitos anos depois só me dei conta de uma coisa, por mais ausente que ela estivesse foi sempre minha mãe, e por mais presente que ele fosse nunca tive um pai. De onde vem este tipo de sentimento?
Sai de casa sem a latinha de birosca confiante em mim sai com 5 biroscas e prometi pras paredes voltar com uma lata delas.
Enquanto eu jogava o Tatu narrava como se fossem partidas de futebol:
_ De um lado pesando uma lata de biroscas Tuí, do outro com apenas 5 Biroscas Dioooogo oooo birosca, campeão mundial duas veze...
_ Cala a boca!
Tec, tec, te-tetetete-c..
Ganhei mais três:
_ Já estou com oito biroscas, faleiq ue era meu dia de sorte.
_ Calma malandrinho, hoje eu acordei com o pé direito e cuspe na testa.
_ Cuspe na testa?
_ É um rito meu...
Tatu gargalhava:
E com a cara cuspida lá Tuí vai com sua birosca azul escuro ...
_ Já não mandei calar a boca?
O que importa esta história de cuspir no dedo polegar e fazer um X na testa pra dar sorte? A história que quero contar é um pouco mais à frente, depois de perder tudo no jogo fui pra casa como fazia todos os dias:
_ Toninho, o céu da vermelho acho que vai fazer frio amanhã.
_ Vai sim.
_ Toninho...
_ Oi
_ Eu to com medo de ir pra casa...
_ O que?
_ Uma sensação ruim...
_ O Dirceu andou te falando algo???
_ Não, o que?
_ Não sei, você se sente irmão dos nossos irmãos?
_ Eles não são nossos irmãos.
_ Então a gente vai embora amanhã.
_ Vamos pra onde?
_ Leva cobertor que vai fazer frio.

Canção da canção da lua

Mãe,
eu já não sou quem eu era
agora tenho a minha guerra
a minha própria luta privada
ainda oiço à canção da lua
só já não me afasta do nada

mãe
a vida é esta merda
dela só o cheiro se herda
trocamos sonhos por qualquer porcaria
canta de novo a canção da lua
enquanto não chega o dia

Anos 90

A fita dos Mamonas Assassinas girava seu lado A no aparelho de som, uma dúzia de cachinhos balançava pra cá e pra lá sentada sobre a mesa acompanhando com os lábios todas as músicas, prevendo a ordem das. Um papel rabiscado com cara de cavalo, corpo de camelo, rabo de boi e patas de elefante era a explicação ao pai sobre o que devia ser o murilo abandonado da música do Netinho.
Na lixeira duas latas de mini-leite condensado. No peso da memória um acidente ocorrido dias antes. E os dedos cruzados esperando 0,25 centavos por gol que o Cruzeiro marcasse naquela Libertadores de 97. Inesquecível!
No segundo andar daquela casa guardava-se folhas e mais folhas de cartas de três linhas que de modo geral sempre diziam a mesma coisa. Aliás, os dois andares eram separados por grades e portões na escada com o simples intuito e nunca deixar aqueles cachinhos aloirados se lambusarem se sangue de uma - talvez - testa com quatro ou cinco pontos.
Mal sabiam eles que quando retirassem as grades o pedacinho de gente que tanto se fazia onipresente nos cômodos daquela casa se multiplicaria por três e ocuparia os dois andares e o terraço engatinhando com seus 4 sapatos, ou melhor com quatro sapatos de seus pais.
Na tv o Pernalonga ensinava um pouco mais de travessuras e esperteza. Anos mais tarde seis das 24 horas de Pernalonga seriam gravadas no seu aniversário de 40 anos. E ela nunca ia entender como aquele coelhinho tinha 40 anos, a idade de seu pai. É verdade, a idade de seu pai. Agora sim, fez sentido!
No bolso do pai o chiclete preto, nunca visto em outras décadas - nem mesmo nas próximas.
Os fins de semana reservados à aprender novos jogos de baralho, fazer compras no 1,99, visitar a padaria e comprar revistinhas em quadrinho com os saldos de saldos de gols do Cruzeiro, mal sabendo que anos depois seguraria por mais sabe-se quantos anos arfado no peito o grito de tricampeão. Maldito século novo!

Sonhos



Às vezes eu durmo pra sonhas, mas na maioria das vezes sonho sem precisar dormir. Eu vejo a cena surgir por detrás dos meus olhos depois se esmaecer. E quando me dou conta um monte de coisas aconteceram, eu acreditei em todas, mas aconteceram só pra mim e foram embora.
Dormindo ou acordada. Coleciono sonhos.
Sonhos de ambições e histórias nostalgiantes criadas pelo meu subconciente. Uma auto-biografia talvez devesse chamar "colecionadora de sonhos" (que clichê).
Nestes sonhos costumo envolver meus amigos, dou a vida que eles queriam, que eles sonharam (também). Sonho que vi cazuza e ela viu Rita. Que passei no vestibular e ele se apaixonou por alguém. Que tive filhos e ela paz, o outro dinheiro e duas outras se casaram.
No último sonho exilado - ou exalado? - pelo onisciente subconciente: duas vozes se afinaram para se encontrar sobre um violão e reproduzir então o que um dia foi o encontro de dois ídolos, eu traduzia Cazuza e do outro lado ninguém menos que Rita Lee, a platéria se materializava e desmaterializava (assim são os sonhos).
O despertador marcando tempo alertava: Cazuza e Rita nunca gravaram juntos esta música. Então a realidade desabou por cima de tud...
_ E daí? O que é realidade? O que define se uma cena foi real ou não?
Não estamos aqui agora perto do fogo?

O passado raqueteando para o presente

Prometo não postar nos próximos dias, talvez, um ou dois meses sem atualizar. Não é um descanso, tão pouco descaso. Quem dera se a insônia tivesse passado. Se fosse falta de inspiração, até porque inspirar é ser triste e expirar... ah eu não sei expirar meus textos.
Passei um tempo, escrevendo alguma coisa oculta. Destas que a gente guarda na gaveta e nunca mais se lembra. Mas quando o papel amarela e se faz encontrado, o passado nos busca à velocidade da luz e grita e berra que você lembra daquilo.
Por mais que esqueçamos nossas histórias, ela nunca deixa de existir. Mesmo que só em um livro de biografia, num filme caseiro feito pelo primo ou na lembrança de alguém que nem lembramos. E é assim, o passado sempre presente em algum lugar.

O passado nunca passa
está sempre presente
precedendo um futuro
que nunca chega
e a espera é em vão

Putas desnudas
sonhando com uma vida melhor
e as paredes
intactas
de um imóvel
na zona sul
assoviando
e cochichando
baixinho
que este filme
eu já vi

Descalços 
meus calcanhares
amassam o chão
que insiste em berrar
o vinho derramado

O passado
à todo momento
gritando
que o presente inexiste
e que a solidão
não é triste
tanto
que ela existe

Diogo (parte IV)

Já teve ter dado pra perceber que este meu caderno de anotações não vai muito longe, meu nome é Diogo, já não sou Birosca a muito tempo, já não coleciono as pequenas bolinhas de vidro. Tenho admiração por elas, bolinhas de vidro, tão bonitinhas, perfeitinhas, por que não bolinhas de plástico? Mas de vidro, esferas de gude, bolinha de gude. Resolvi pesquisar gude no dicionário, à essa altura da vida:

Gude
sm. Bras. Jogo infantil cujo fito é fazer entrarem em três buracos bolinhas de vidro.

Ah, olha eu perdendo o foco. Eu queria registrar as lembranças que tenho, mas nem todas tem continuidade, eu tentei fazê-las ter, mas não têm. Não adianta. Bom... vou continuar minha história sem conectivos de situações.

Depois de descobrir aquele sentimento frágil entre meus irmãos e eu passamos a trocar confissões antes de ir para a casa a noite.
E naquele dia o Dirceu estava nos contando que tinha fumado um cigarro com "uns caras" que ele não quis dizer o nome. Vinha pela rua narrando lentamente a primeira tosse, a sensação de paz e nostalgia. Ao fim da história Toninho caçoou dele.
_ Você fumou um cigarro e não maconha. Nada disso de paz e nostalgia seu viado.
_ Mas...
_ Mas você é viado, não agüenta nem um fumozinho...
Dobramos a esquina rindo. Na porta de casa um aglomerado de pessoas, uma pequena confusão. Uma sirene. Quando me dei conta de mim eu estava jogado na cama, olhando pro teto sem conseguir piscar os olhos. Esperava uma ordem pra que eu me movesse.
_ Diogo... a m-ma-mamãe...
_ Eu sei.
Nada seguiu. Continuei deitado, mas agora os olhos tinham se fechado e lacrimejavam, ainda bem que tava escuro.
Talvez eu nunca tenha sido muito apegado à minha mãe, nunca lhe abracei, ou troquei algum tipo de carinho, como o abraço de proteção que Dirceu me deu no dia da briga. Mas de alguma forma minha mãe era o motivo pelo qual Dirceu, Toninho e eu voltávamos em casa todas as noites.
Eu não sabia se me choro era por não ter mais minha mãe, ou por medo dos meus irmãos sairem e nunca mais voltarem.
_ Toni!
_ Que é?
_ Por que que...
_ Foi do coração...
_ Você... viu?
_ Ela falou da nossa irmã.
_ Que é com a Ana Rita?
_ A Vitória!
- Hm?
_ Ela sabe onde ela tá...
E sentei curioso esperando algo mais. Mas não era uma vírgula, tampouco um ponto final. Aquela frase só não tinha continuação e ouvi a voz de Geraldo entrando na casa.

Birosca

De alguma forma aquela confusão toda mudou muita coisa lá em casa. Meus pais passaram a nos temer, como se fossemos marginais, e nós três nos unimos como deveria ter sido desde o início. Mexeu com um, mexeu com os três.
Umas semanas depois, eu ja tinha completado meus 12 anos à 2 dias. Tava escurecendo, eu tinha ganhado uma lata de birosca numa aposta que eu faria 5 gols na pelada daquela tarde, o Luisinho duvidou e eu meti 6. Uma lata de birosca e pronto.
Eu ia subindo o morro analisando uma por uma, umas maiores, outras menores, azuis, verdes, com desenhos dentro, uma com o escudo do Botafogo e uma quebrada no canto. Cada uma serviria de uma forma diferente: leveza, tamanho, força, difícil de ser acertada, eu já ia montando meu esquema tático com minha nova seleção. Levantei a cabeça e vi Toninho conversando com um fogueteiro, me aproximei pra entender o que se passava:
_ Ai cara, experimenta um! - o de touca vermelha falava.
_ Aposto que seu irmão quer, ele é mais macho que você.
_ A gente não quer não.
Confesso que fiquei tentado, mas meu irmão me puxou pelo braço e saiu falando:
_ Eles querem algo em troca, eu sei. De graça não iam dar isto, se eles ganham pra vender.
_ O que eles querem?
_ Querem que a gente vire viciado pra comprar deles, depois a gente não tem dinheiro pra pagar e dão um tiro na cabeça de cada um.
_ E se eu experimentasse só um e nunca me viciasse?
Andamos tão rápido que eu nem percebi que já estava na porta de casa. Toninho empurrou a porta e já foi gritando por Dirceu.
_ Ele ainda não chegou, ma.. - antes que mamãe terminasse de dizer Toninho saiu com muita raiva.
_ Merda! Tomara que não o tenham feito nada.
Acho que até hoje não entendi, estes fatos devem estar interligados. Houve um murmúrio de que tinham convidado meu irmão pra entrar pro tráfico e ele não quis, talvez ofereceram maconha pra ele só disfarçando porque eu cheguei perto, talvez ele tava preocupado de raptarem DIrceu e forçar ele a entrar no tráfico. Mas eu sentia que o perigo ia vir pra cima de mim logo logo. Acho que ele também.

A insônia será fotografada

Isso mesmo, além de escrever enquanto não durmo agora tiro fotos.
A insônia será escrita com luz.
F o t o g r a f i a.

Todas as fotos tendem a ser tiradas durante a madrugada, as madrugadas insones. E serão postadas aqui


No Insônia Fotografada!

Creio que as fotos só podem ser comentadas por pessoas que possuem conta flickr (pra quem tem yahoo fica fácil). Então aqui fica meu incentivo pra fotografarem e criarem um perfil Flickr também, mesmo que apenas pra comentar.

Abraços, novidades surgirão em pouco tempo.
Aliás, quem quiser transformar "Diogo" em uma série da Globo pra passar às sextas-feiras pode ficar à vontade, quero um microapartamento em BH, Pernambuco ou Porto Alegre... e só.

Diogo e auto-criação

Cansada de criar os filhos e perdidamente apaixonada pelo meu pai minha mãe mal me deu de mamar. Aprendi a andar apoiando-me nos sofás, aprendi escalar o armário pra pegar biscoito por instinto e como andar no estranho labirinto do bairro que nasci foi seguindo Toninho.
Eu era o que segurava o carretel pro Dirceu, era uma tarefa difícil, dar o tanto certo de linha, saber pra que lado correr com a pipa pra ela subir. Quem cuida do carretel tem que tá interado das idéias de quem empina a pipa. Mas o que eu queria mesmo era dominar a minha pipa, lá no alto. Rabiola com cerol, cortar os outros, subir mais alto bem mais alto, com a pipa mais colorida do céu.
_ Toninho!
_ Que é que foi?
_ Deixa eu guiar um pouco?
_ Não tá vendo que to disputando com o Celinho?
_ Deixa eu disputar pra você?
_ Pirou moleque? Se eu perco pro Celinho vou ser zoado o resto da vida e você nunca empinou...
_ Mas eu nem tenho uma pipa...
E sai pensando como eu faria pra conseguir empinar pipa, o Dirceu nunca me emprestaria a dele e eu também não ia empinar nada com o escudo do Palmeiras.
No dia seguinte saí pra jogar birosca na rua, taí uma coisa que ninguém me vencia. Eu tava sentado com o Calinhos e o Tuí esperando o Zé e o Vando tirarem no par ou ímpar quem ia buscar a garrafa que tinha caído na casa do vizinho - fruto de uma discussão dos dois. Aí passou o DIrceu chorando, tirou a camisa jogou na minha cara e pulou no muro, fico sentado lá olhando sei lá o que:
_ Que isso Diogo vai fazer nada com essa bichinha não?
_ Bichinha é o caralho, vou te mostrar minha bicha quer?
_ Não sou bichinha que nem você, não gosto de ver pau de homem não.
_ Vai tomar no cu seu filha da puta!
E DIrceu já desceu com uma voadora no peito do Zé. Vando pulou na frente e segurou meu irmão pelos cabelos lisos que só ele tinha por ali. Eu pulei a linha de biroscas e dei um soco no peito do Vando:
_ Solta meu irmão porra!
Tomei um pontapé nas costas que até hoje não sei se foi Zé ou Carlinhos que me deu. E quando olhei pra esquina tinha uma porção de meninos correndo pro nosso lado. Toninho gritou lá do meio:
_ Quem botar a mão nos meus irmãos vai levar, é bom eu não ver nada.
Eu sorri, sabia que todo mundo tinha medo do Toninho e senti pela primeira vez o que era pra mim meus dois irmãos, os outros eu nem tinha contato direito.
Toninho:
_ Quem deu este chute aqui no Birosca? De quem é esta marca de pé? - Birosca é como Toninho me chamava às vezes.
Um pequenininho da rua que mal tinha chegado ali e morria de medo do Toninho, não lembro direito se seu nome era Ed ou Ted... Mas ele apontou pro Vando.
Ai eu gritei:
_ Eu tava batendo no Vando, foi o Zé ou o Carlinhos.
Meu irmão puxou cada um com um braço e ficou olhando pra mim aí gritou:
_ Eu vou perguntar só uma vez quem chutou o birosca? Foi uma dessas duas bichas aqui, ou vocês são homens pra assumir?
O Zé pensou em gaguejar alguma coisa e abaixou a cabeça.
_ Perdi a paciência, vão apanhar os dois que é pra ninguém mexer com irmão meu mais.
Dirceu me virou de costas e colocou meu rosto no seu ombro, eu fiquei me sentindo culpado e chorei, chorei por ter perdido meus primeiros amigos. Meu irmão tinha me defendido, mas ele não ia deixar eu ficar andando com ele pra sempre, eu ia ter que arrumar outra turma, mas ali não ia ter ninguém, e chorei um pouco mais.
Quando virei vi meu irmão voltando do chão, como num golpe de capoeira. Ele deixou um com o nariz sangrando e muita marca nas costas, o outro tinha desmaiado com um chute na nuca.

A partir daí comecei a ser alguém. Agora eu era o Birosca, pra todo mundo ali. Meu ponto fraco era chorar, chorava de tristeza, de medo, de raiva, de agonia e de solidão. E meus pontos fortes eram jogar birosca, futebol e ser irmão do Toninho...

Primeira confissão de Diogo


Insisto em alertá-los que não me arrisco por aqui, não falaria da minha vida por trás de uma personagem, alguém podia perceber. Logo, são todos personagens, qualquer semelhança é mera coincidência.

Eu nunca escrevi diários, nunca contei segredos aos meus amigos... se é segredo não se pode contar pros amigos. Se pode contar só aos amigos é um diálogo, uma confissão de bêbado, ou algo que não sei o nome mas segredo não é. Não sei por que depois de tantos anos de vida decidi escrever um pouco de mim. Aqui é como se eu confessasse pra mim mesmo, ninguém encontrará estes rascunhos, nem sei por quanto tempo vou guardá-los.
Relembrarei comigo toda minha vida, já que não bebo mais pra relembrá-la com Antônio ou Victor pelas madrugadas da vida. Antônio, Victor e eu, Diogo, desde os 16 anos sempre mantivemos um bom relacionamento com direito à brigas, bailes e namoradas roubadas. Agora resta apenas eu, apenas Diogo, com 86 anos pra tentar lembrar.
O grande problema em preencher essas folhas em branco que restam no caderno é: por onde começar? Não sei a lembrança mais velha que tenho, as tardes impinando pipa com dois de meus irmãos, digo, Toninho e Dirceu, ou aquele primeiro dia de aula? Talvez faça parte tudo de um mesmo tempo, pipa, escola, pipa outra vez. Acho que era isso mesmo.
De sete irmãos eu era o último, o caçula, a rapinha do tacho, copinho de leite, bolinha de ouro... Minha mãe criou de forma particular cada filho, primeiro veio Geraldo criado com muito mimo e esforço, se ele queria banana e não tinha em casa, a mãe dava logo um jeito de comprar, mesmo fiado. Depois veio Ana Rita que apesar de mais nova cuidava de Geraldo, a mais bonita de todas as primas, irmãs e tias. Ana Rita possuía olhos verdes e cintilantes, um rosto fino coberto por longos cabelos castanhos escuros e pele cor de papel de pão. Depois dela nasceu Vitória, que eu não pude conhecer, pelas fotos que vi ela parecia uma indiazinha, mas não tinha os cabelos lisos, e minha mãe não lhe dava muita atenção deixou a filha se criar sozinha e aprender o que tinha que aprender na rua, ela saiu com 5 reais pra comemorar o aniversário de 6 anos e não voltou pra apagar às velas, é tudo que sei. Antes que Vitória desaparecesse minha mãe teve também o Marcelo, que foi criado com quase nenhum mimo, pouco diálogo e muita leitura recomendada por nosso avô, outro que também não conheci, Marcelo acabou por se dar bem na vida e estudou Economia, o único estudado de todos nós, quer dizer o único com curso superior. Então dona Eva perdeu Vitória e não queria ter mais filhos, se existia métodos contraceptivos ela não sabia, e acabou separando-se de Joaquim pra não ter mais filhos.
Dois anos depois de muito esforço pra criar os filhos apenas lavando roupas ela conheceu um sapateiro, Tomé, que lhe prometeu uma casa nova, comida, sola nova pros sapatos e amor, tudo em troca de sua companhia e uma filha que fosse dele também.
Foi aí que minha mãe teve Antônio (Toninho) que já nasceu moleque de rua, aprendeu a empinar pipa e nunca mais sem preocupou com o resto, depois veio DIrceu, que também não era menina, era fã do Toninho e queria fazer tudo que ele também fazia, era muito ruim de futebol e tinha cabelos lisos que nem sabemos de que lado da família vieram, assim como seus outros traços. Por último, eu. Também não nasci menina, mas minha mãe logo não podia ter mais filhos: menopausa.

(continua)

Abafado


Sede
e mia o gato
Incomodo
no sofá
que
sempre
me acomoda

Barulho
e mia o gato
o calor
abafa os carros
a sede
esquece o resto

Poema
e mia o gato
mas não
não sai nada
sede
e vence o calor.

Sei que poemas não é meu forte, mas to estudando sobre eles agora e cada vez me apaixonando mais. Se pesquisarem bem nestes arquivos perceberão que comecei a escrever por não saber escrever, aos poucos vou aprendendo transpassar a idéia e a alma pro papel, ou pra tela. Agora é a vez de começar aprender versificar o sentimento, vou tentando e vocês me ajudando. Críticas, por favor, não aprendo sem elas!

E chovia

Uma chuva caia sobre a cidade, e eu me escondendo debaixo da marquiz tombada da minha escola enquanto esperava um amigo. O meu cérebro simplesmente retorceu-se me obrigando a anotar no celular o que não saia da minha cabeça:

o tempo, o vento e a chuva

Ou seria?

o tempo
o vento
e a chuva

(?)

Enquanto eu anotava surgiam outras palavras - soltas ou não - e se encaixavam ao... poema?

o tempo
o vento
e a chuva

o temporal
o vendaval
e a uva

a queda
a regra
e a puta

o homem
um lobisomem
e a chuva

Na verdade na hora eu escrevi:

o homem
um lobisomem
a música

Mas preferi trocar e deixar assim, deixar chover.

Velhinhos me enchem de saudade

Angelina Corcino Carvalho de Alcantara e Pedro Alcântara.

Assim como todos avós, eles se casaram numa sociedade estranha, machista. A história do meu avô é uma história feminista (?), ele foi criado pela mãe: o pai morreu, a mãe era durona: um pai. Meus tios contam que a minha bisa atirou em dois homens que tentaram roubar seu estoque (dois casos diferentes) Meu vô cresceu durão, querendo mandar e desmandar, dando tiros verbais.
Minha avó vem dos antigos pensativos, filosóficos, calmos, católicos. Família grande, de mortes precoces, família que vive muito, bisavó morreu com 99 anos, e ela – Angelina - já tem 89.




Depois de criarem 7 filhos – meu pai é o sexto – cinco homens e duas mulheres. Meu avô mudou pra uma casa no fundo do quarteirão que minha avó morava, passando por cima das outras casas, uma linha reta pra casa da vó. Sem ninguém – nem eles – perceber, ainda viviam uma história de amor.
Muito elétrico o Sr. Pedro (sô Pedro) subia e descia o morro várias vezes ao dia, fazia feira, compra, conversava com os amigos, comprava presente pros netos e netas e resmungava bastante. Apesar de durão, briguento e birrento o cara era dócil, mas só quem pedia bença consegue explicar onde ficava a doçura.
Um dia caiu no quintal de casa e quebrou a perna, ficou manco por toda a vida. Daí então passou a almoçar na minha casa. Sempre chegava com uma sacolinha de manga e nunca deixava me limparem os braços, porque manga sem lambusar o cutuvelo é uma fruta qualquer, menos manga.
Fui bem mimada pelo vô e suas mangas. Suas piadas. Seus sorrisos. Seus óculos de grau escuros e seu colo. Quando penso em meu avô não me vem dia de chuva na cabeça. Vem sol, seu grande quintal, as mudas de café, as mangas na sacola, os almoços em família. E só de pensar que tudo isso morreu junto com suas doenças e complicações dá medo de continuar.
Mas só do outro lado da família eu encontrava um pé de manga. Por mais que eu insistisse sempre que deviam plantar uma mangueira no quintal do vô, meu pai não me convencia que não era tão simples assim e que ia demorar pra crescer, então eu chupava as mangas no outro lado da família e guardava o caroço no bolso pra mostrar pro meu avô – mas perdia antes de faze-lo, é claro.

Pela primeira vez na vida sonhei com minha avó. Tive medo dela levar o que ainda resta da família embora. Abracei-a por muito tempo no sonho, e tive vontade de chorar. Acordei com o nariz incomodando. Senti falta do meu avô.
Lembro como eu fiquei triste quando ele morreu, como eu chorava na escola e me sentia culpada de alguma forma por não ter acompanhado tanto ele no fim da vida. Quando caducou e já nem sabia que seu açougue sumira bem antes que eu nascesse, e às vezes pedia meu pai pra prender o boi que fugiu da cerca, aliás quando ele morreu a cerca tava quebrada.
Velhinhos na minha vida são poucos, não conheci meus avós maternos – mas choro quando falo da minha avó materna – tive uma avó adotiva Vó Nora, meus avós dos quais falo, o sô Malvino – da minha rua e não to lembrando de ninguém mais. O Malvino era o que trazia jabuticaba pra mim toda vez que tinha e também morreu levando seus olhos azuis, sua calçada playground e o ar de mistério que sua casa me trazia.
Foi pensando nisto que escrevi um poeminha agora de madrugada, meu primeiro poema naquele formato do Bruno e da Alice.

Do pé de manga
no morro do sítio
sinto falta
do meu avô
E do de jabuticaba
falta de alguém
pra dividir
as frutas cor-de-olhos
Lá no fundo
do mar
que não tem
aqui
uma concha me espera
Algo
- sem saber -
me expulsa de casa
é que
minha mãe diz
que não tem pé de conchinhas
a solução
então
é catar
manga com jabuticaba
na beira-mar

Dois dados (de seis lados cada um):
- Na foto, meus avós paternos. Meu avô - com Alzheimer - já não reconhecia minha avó, que receiosa preferiu não se apresentar.
- Sinto saudades precipitadas da minha avó.

Confissões (de um anjo e) de uma pré-adolescente

Não sei se pensei, se sonhei ou se escrevi. Talvez tenha acontecido.
Um anjo da guarda, que não soube guardar, Deus enviou-lhe à Terra pra entender por que os homens suicidavam, por que matavam por que faziam guerra. Quais eram as condições humanas? O anjo desceu em forma de humano, apaixonou-se e disse à Deus "por que nos fazes sofrer?" e Deus disse "o que eu fiz?" "tudo isso" "isso foi vocês que fizeram" "por que nos deixastes fazer?" "por que eu nunca entendi o que queriam com isto, fiquei curioso pelo fim" "a gente só queria  amor" "o que é o amor" "desce na forma de homem" e ... o resto da lembrança se apagou na minha cabeça.

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Já posso praticamente lançar um livro sobre pai, ou o meu pai. De tantos poemas, textos, crônicas e lembranças escritas sobre o assunto. Hoje publico meu primeiro poema com a palavra mãe, embora o eulírico nada combine comigo e eu nunca falaria uma coisa destas as a minha mãe.

Confissões

Mãe,
Ele falou comigo
Que quer ser mais que meu amigo
E agora eu não sei o que fazer
Mãe ele perguntou
Se eu queria o mesmo
E eu sai apressada
Sem saber o que dizer

Mãe,
Eu lhe confessei
Todos meus pecados
E ele ainda quis me aceitar
E eu não sei me entregar
E eu não sei aceitar
Todos os segredos
Que ele quer comigo compartilhar

Eu gostaria tanto
De sentir por ele
O que ele sente por mim
Mas, mãe, eu não sou assim
Eu não sei nem gostar de mim

Eu queria poder sair
Nos dias pares
De mãos dadas
E semana que vem
Pensar de novo
Na semana que passou
Mas mãe
Eu fui embora
Sem nem lhe responder

pré-adolescente este poema, não?

Flying Kebab

Lembram? Que eu postei aqui um ou dois episódios de Flying Kebab?
Hoje tive a oportunidade de falar com o Matheus Siqueira por e-mail, tentei forçar uma entrevista pra colocar algo interessante por aqui e pra tirar algumas dúvidas mesmo. Fui informada que o 5º episódio sairá até segunda-feira que vem.
Descobri o site deles, que por falta de atenção, eu ainda não conhecia. Tem uns videos bacanas no vlog, um layout invejável (tô afim de trocar o meu de novo) e acesso ao twitter e fickr... Chega de babação de ovo né?
Quando tive acesso aos vídeos, através do site do enxame.tv - que acesso sempre pra assistir Na Sala do Tatá - já apaixonei pela história. Uma história que se passa no Líbano, o "ator principal" com belos dreads e uma forografia que nos pega pelo fígado, a curiosidade de como termina esta história toda de herança.

A história parece ter começado de forma espontânea, a idéia de documentar um país através da ficção. O mais perto que costumo chegar de países como o Líbano é passando pelo Habib's e pedindo pra trazer hortelã junto com o quibe (já contei esta história pra vocês? é melhor não). Tudo bem que é filmado sob o ponto de vista do câmera (teoricamente) e editado com muita paciência, mas as paisagens presentes na série têm me surpreendido.
Logo quando comecei a assistir reconheci os nomes Beirute e Nantes, por causa da musica Nantes da banda Beirut. Fui levada pelos detalhes pra dentro desta história, seduzida - diria. Sem contar com o detalhe da revista Piauí, que por um momento eu pensei que ninguém além da minha irmã e eu lêsse.
O trio responsável pela série - Matheus Siqueira, Fernando Borges e Cléderson Perez - não têm remuneração, o projeto é totalmente particular (ou seria independente?) com minímas ajudas por ofertas no site oficial (linkado lá em cima). E a divulgação nas palavras do Matheus "é feita só pelo viral que alguma vezes funciona, outras não..." além também da mãozinha dada pelo Marcelo Tas (do CQC) no seu blog e no twitter
Tudo começou com a viagem que fizeram ao Líbano para trabalhar numa rede de Tv e parece que acabará com o regresso deles, em fevereiro de 2010.
Prometo postar o 5º episódio aqui quando sair, enquanto não sai vou postar um vídeo do vlog deles, e uma reportagem que saiu no estadão pra saberem um pouco além. Depois vão lá assistam o vídeo e doem umazinha pra ajudar os caras. Falando em doações, dêem uns cliques nas propagandas do meu blog aqui que minha produção também é independente.



Quando Deus foi julgado

Ateu por toda vida, bastou um segundo pós-morte pra todos seus conceitos irem abaixo. Descobriu Deus.

A noção de tempo ali no além era muito pra que precisasse quantos dias já esperava por seu julgamento final. Mas, de tudo que pudesse imaginar, aquela era a única forma que não imaginava que Deus assumiria um dia. Deus, como um espelho, era ele, vestia-se como ele, a mesma imagem, isto talvez seria "à minha imagem e semelhança", como nunca percebera? Estava, então, ali diante da própria imagem, lendo todos os pecados cometidos em sua vida, e Deus continuou:
_ ... e o maior deles, o ateísmo. Ateu por toda a vida desevangelizou fiéis, publicou três obras de "provas da improbabilidade da passagem de Jesus na Terra". Incrédulo! Algo a dizer em sua defesa?
_ Deus criou o homem, assim fui obrigado à ouvir por toda a vida. Sempre foi impossível acreditar que Deus era bondoso, se fosse bom teria interrompido a Segunda Guerra Mundial, traria menos dores aos seus filhos, não os puniria pro usufruírem do livre arbítrio, não necessitaria de uma parcela do meu dia voltado às orações: minhas felicidades, esforços e conquistas lhe bastariam como agradecimento. Assim como um diploma do filho basta ao pai.
Deus já esta suficientemente velho para ter aprendido que punindo o homem não conquistará sua fidelidade, nem lhe trará felicidade. Doenças, guerras, fome, dor... se não intervir terá cada vez menos fieis, as condições que você dá aos humanos são muito tristes para que nos consideremos sua obra-prima, para que acreditemos num "pós-morte melhor".
Como humano sempre estive questionando o mundo: a minha vida e a minha morte, tudo poderia até ter uma explicação, mas o homem é um animal qualquer, limitado por seu pensamento e se vê em qualidade de vida inferior - muitas vezes - que a de outros animais, é por isso que não conseguimos crer mais, se somos colocados em postos tão próximos aos de outras criações então não teremos diferença nenhuma para a "terra que um dia há de comer o que era animal destes humanos".
E Deus assumiu a forma de um homem pobre, prometeu descer à Terra e procurar um meio de... - ele nem sabia o que. Talvez não fosse tão sublime assim, tão inteligente. Sim, Deus - aquele todo poderoso - do qual falavam lá embaixo, não existia.

Monossílabo que abre o Kadabra

Era só uma menina com alergia à uma palavra. Bastava cochichar-lhe aquele monossílabo para que ela estremecesse por inteiro. Arrepiava os pêlos dos poros e revelava um monstro revoltado que morava ali dentro daquele corpo tão inofensivo.
Não havia mais que cinco pessoas que acreditasse que pudesse ser verdade o grande mito de que bastavam três letras pra revelar o grande segredo por trás da menina tímida, educada e meiga que tanto estavam acostumados a ver pelos corredores do colégio.
Porém, para o mito desmitificar-se não bastaria a palavra mágica, precisavam de um homem de terno preto e varinha pra tirar os coelhos da cartola. A notícia mal tinha vazado quando apareceu o novato Marcelo pra, indelicadamente, dizer não à Clarinha.
Até hoje não se sabe se o fez por descuido ou desafio, nem mesmo se ele já teria ouvido a história de que a palavra tinha certo poder sobre a menininha. O importante mesmo é que ele disse não. À esta altura o diálogo que veio antes da palavra já foi esquecido pelos poucos presentes, o relato é mais ou menos assim:
_ Não.
_ Hm?
_ Não, clarinha, não! Me deixa.
_ Quem você pensa que é?
_ Quê?
_ Você se acha no direito de mandar na minha vida? De dedicir algo por mim? Não é porque V-O-C-Ê não quer que eu não vou fazer. Agora eu faço é questão. Acho bom rever seus conceitos, porque em mim você não manda. Desculpa pelo que vou fazer com você daqui pra frente.
Marcelo, certamente, ficou um pouco asssutado e sem entender muita coisa. Foi pra casa revivendo a história mentalmente até entre muitas interrogações de si pra si misturar totalmente a história e achar que devia desculpas à Clarinha.
_ Pô Clarinha, eu não tinha intenção nenhuma ontem sa...
_ Nem sempre o que importa é a intenção, sua palavra foi simplesmente definitiva se disse não é porque setenciou e negou a possibilidade de voltar atrás com sua decisão, também fiz isso.
_ Clarinha, eu posso ter feito isto ai, as palavras são mesmo fortes, mas é que não foi intencional, eu só queria ficar sozinho àquela hora, porque... ah porque eu já nem sei.
Seguiram-se alguns segundos de silêncio e ela tentou repensar o que dissera, ele tentou desviar o olhar e então ela percebeu que:
_ Seus olhos são da cor dos do meu pai.
_ Eh...? - corou-se.
_ Meu pai já morreu.
_ Morreu? De..
_ De "não".
_ Hm?
_ Negaram-lhe a vida, e ele negou-se a sobrevivencia numa subvida.
_ Não entendi...
_ Não posso ser mais clara.
_ Acho que entendi alguma coisa, mas o que eu queria mesm..
_ Eu te desculpo, você teve coragem de voltar atrás.
Daí em diante também não se sabe bem o que ocorreu. Há os que dizem que ela nunca mais irritou-se com a palavra "não", outros dizem que ele também passou a ter a tal doença do "nãonismo", que se beijaram e se casaram. Tem quem diz que ele é a reencarnação do pai dela.
Mas no dia do casamento, a história toda morreu de "sim". Mas aí já é uma outra história...

Sem direção

E amanhã
O que vai ser de você
Quando acordar
Uniformizada e sem destino
Vai seguindo a direção
Sem caminho
E um pergaminho
Um mapa em questão
Correndo risco de vida
De ficar viva
Que perigo a sua direção

Presságio

Tornará-te alegre, feliz como as outras pessoas.
Como as pessoas normais.
Porém.
Sua alegria, sua felicidade...
será sem porquê.
Apenas artificial, elaborado pelas tarjas pretas.
O preto da inelicidade.

Toc's e Tec's

Parece tão corriqueiro ser tenso
Que o relógio finge não nos ver

Câmera, luz, postando...

Um vazio pesado
Foi tudo que pude sentir
Naquele momento
E pro resto da vida
___________________

No tempo do era

Não consigo entender sozinho
Por que apostei neste jogo
meu próprio ninho?
Hoje é o fim do tempo
Que eu tinha pra voltar atrás
Agora que hipotequei minha'lma
Pro satanás

Eu vou tirar meu corpo desta
E me lançar de frente
Pro que sozinho não consigo entender
Quando apostei nessa
Eu tive muito medo de perder
Mas só quando perdi
Que pude perceber
Mais que meu ninho era você
___________________


Às vezes é preciso dar um breake. No meio do jogo, 3 segundos é um gol, ou um impedimento.


• Então, vou indicar hoje um blog sobre os movimentos sociais da Zona da Mata. Por Elder, Lívia e Thais: Bangalô de Flores.
E apresento também meu novo blog, junto com a bina. O apomixia é um blog mostrando nossa visão assexual do mundo, melhor entrar lá pra entender.

Desistindo outra vez

Pra mim:
Seguir em frente
Sempre foi
uma forma
de desistir

Três anos depois

Eu sentava naquela calçada e ficava observando as pessoas: algumas passavam com muita pressa; outras vinham chutando suas pedrinhas, ouvindo música, andando lentamente; paravam, esperavam alguém e saiam. Era engraçado quando alguém ficava um bom tempo parado e decidia que era hora de partir, ficavam me olhando sem jeito como se quisessem me matar por eu ter visto que tomaram um bolo.
Na maior parte das vezes eu me sentia um pouco invisível, estar ali e ninguém me dar a miníma idéia me fazia sentir assim. Mas quando um olhar perdido me encontrava eu me sentia presente demais, até mesmo invadindo a vida das pessoas, me sentia mais estranha que qualquer uma das que ali passavam.
Algumas vezes eu tentava fotografar umas cenas bem disfarçadamente, e quando notava já tinha tomado a rua como minha. Depois de três anos de muita freqüência inexplicável naquele lugar eu percebi que ele tinha mais de mim que eu dele. Nas paredes alguns desenhos que fiz, minha assinatura, o chão recém-acimentado tinha meu nome escrito à dedo. Por fim, eu já sabia quem passava e em qual horário, quando uma pessoa ia ali pela primeira vez eu reconhecia em seus olhos perdidos e encantados pelos meus desenhos e me oferecia pra escoltá-las até o destino.
Uma vez escoltei um velhinho cego sem que ele soubesse quem eu era, ou até que eu estava ali. Ele repetia "você está ai?" "anda aparece pra mim, vai", o tempo todo. Talvez tenha pensado que eu era um anjo, ou coisa parecida, talvez eu fosse mesmo...
Aos poucos eu fui concluindo no meu pequeno diário: "Pessoas não são máquinas, não são programadas. Elas pensam advinhar o futuro, retroceder ao passado, acreditam que um cheiro é o sulficiente pra levá-las ao fundo da memória e atrasam 2 minutos pensando que vão fazer suspense, na verdade só terão que esperar 2 minutos a menos.
E neste convívio consigo mesmas vão ignorando outros seres que as rodeiam. E quando se
deparam com o assubio de um pássaro já não reconhecem e ficam abismadas, espantadas, como se estivessem vendo a maior raridade do universo. O mais estranho é o que consigo sentir por cada desconhecido que por aqui passa, assim como elas pelos pássaros, eu me assombro, arrepio de curiosidade e me apaixono por cada uma delas."
Quase no fim daqueles três anos passou um homem bem diferente por ali. Primeiro que ele me viu, riu pra mim e desejou que fosse quem eu fosse que tivesse um dia gratificante, depois ele voltou sorrindo e disse "deu tudo certo, valeu", sem eu nem ter feito nada. Daí em diante fiquei curiosa, às vezes eu o seguia, tentava desenhá-lo. Ficava esperando que ele passasse todos os dias depois do almoço, às vezes ele não ia e eu ficava triste, nem terminava a tarde por aquelas bandas. Foi quando ele passou 3 semanas sem me visitar, que percebi que eu tinha passado 3 anos sem sorrir pra mais ninguém.

Dez minutos

Era uma tarde de ar seco. O sol cansado amarelava no poente. Dali não se ouvia muito barulho da cidade, às vezes algum grito vindo de uma vilazinha ali perto, lá em cima uma pipa tentava resistir sem muito vento, era gostoso imaginar o rosto da criança que a empinava, e que os gritos ali ouvidos eram dela.
Ele olhava pra pipa, depois pra sua mão. Se imaginava com um carretel e ... aos poucos foi se lembrando de um tempo distante, quando ele e seu pai saíam para caçar gambás à noite. Estava ali entre o revolver em sua mão e a estrada que passava às suas costas.
Pensava em se matar, acabar com tudo. Suas memórias estariam perdidas para sempre, não teria filhos para ensinar a caçar gambás, ou empinar pipas. Nunca mais veria cena igual àquela. O sol no poente transformando em sombra toda a paisagem. E o pinheiro ao seu lado.
Engolia seco. Começou a chorar e rir sem entender o motivo, queria um abraço, um soco. Era tanta coisa se misturando, tanta alegria, tanta tristeza. Tudo que já passara na vida, que demorara pra se desprender, agora se passavam de novo. Enfiou-se o revolver pela lateral da cabeça, respirou fundo e ameaçou puxar o gatilho. Quando uma voz  - que não era grito – interrompeu-o.
_ O que há de não finito pra se acabar agora?
Ele nem sabia como responder, nem mesmo entendeu o que lhe foi perguntado. Chorou um pouco mais e abaixou a cabeça – e a arma.
_ Você tem 10 minutos pra me fazer sorrir, rir, gargalhar. O que for. Dez minutos, se conseguir a arma é sua.

Cães farejando a outra dimensão

Existe um ser oculto dentro da cada um de nós. É como se um outro eu, em outra dimensão. Mas minhas dimensões parecem misturar-se, desvairar-se e às vezes confundirem-se. Meu outro eu está a amostra. Aquele "eu" rude, sem perdão, sem coração, sem sacríficio.
Impulsiva vou gastando meus créditos. E quando não me resta nada penso em sair de casa, em voltar pra casa. Penso em sair da vida, em voltar pra vida. Meus dois eus começam a se rebelar, confundem-se.
Aumento o volume. Fecho os olhos, pra não ver a estrada passar. Puxo a lavanca, cadeira inclinada. Aumento de novo o som.
♪ eu ia explodir, mas eles não vão ver os meus pedaços por ai / os cães farejam o medo logo não vão me encontrar, não se trata de coragem, mas meus olhos estão distantes me camuflam na paisagem dando um tempo pra cantar. 

As Rosas Não Falam

Bate outra vez
Com esperanças o meu coração
Pois já vai terminando o verão,
Enfim

Volto ao jardim
Com a certeza que devo chorar
Pois bem sei que não queres voltar
Para mim

Queixo-me às rosas,
Mas que bobagem
As rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti, ai

Devias vir
Para ver os meus olhos tristonhos
E, quem sabe, sonhavas meus sonhos
Por fim


É um pouco raro encontrar Lílian's por aí.



meu maior defeito é acreditar no que eu falo

e no que eu penso

aos poucos as pessoas perdem as esperanças com as coisas banais demais: eu não

Eu sei, to devendo postagens.
O yahoo já voltou a funcionar! Mandem e-mail pra lá.
Prometo escrever algo útil esta semana, ou até postar o que tem ocupado meu tempo. Ah! E talvez um novo blog, não sei quando sai...

A indicação do dia é bem umbiguista. Meu blog de download de filmes! Em específico o "documentário auto-biográfico" Tarnation.





Não sei se aqui atinjo nem metade das pessoas que me mandam e-mails... Enfim, a yahoo e meu computador estão num processo amargo de divórcio, portanto é mais confiável enviar e-mail para: lilian_alcantara92@hotmail.com
até segunda ordem...

Obrigada pela compreensão.

Só mais um post

Já era bem tarde quando fui acionada por uma ex-aluna de redação. Além de fazer perguntas sobre como eu ia depois de tanto tempo sem nos ver ela queria saber o que era uma "dissertação subjetiva". Tentei explicar, mas acabei me complicando. Aliás, eu também tinha um pouco de dúvida à respeito.

Àquela hora não era muito certo da minha parte acionar o Google, todo mundo precisa dormir. Até mesmo um site. Rascunhei em segundos o que eu chamaria de dissertação subjetiva, caso me perguntassem no pulo - como foi - e prometi levar à minha professora de português pra confirmar minhas desconfianças sobre o assunto.
Eu cheguei lá, ou quase.

Um Woodstock pentacampeão

Era pra ser mais um show de rock, com um monte de hippies assistindo e entrar no esquecimento depois de três semanas de jornal. Mas o Woodstock estrapolou todas as barreiras previstas e programado pra receber 180.000 pessoas acabou sendo invadido por 500.000, ou quase.

A festa aconteceu em 3 dias – 15, 16 e 17 de agosto de 1969 – o que quer dizer que estamos à 40 anos, quase exatos, depois. Ou à este tempo do segundo dia da festa que como pode-se perceber, não foi esquecida em semanas, nem décadas de jornais.

Drogas, sexo e rock’n roll. Maconha, amor e Janis Joplin. Com Jimi Hendrix tocando o hino dos Estados Unidos ao som de notas que mais pareciam tiros de fuzis e Janis sendo a maior estrela dos três dias de espetáculo, o festival entrou pra história com lastimáveis tentativas de repercussões, em anos bem distantes da guerra do Vietnã.

Meio milhão de hippies unidos em uma fazenda dos Estados Unidos ouvindo o melhor do rock do fim da memorável década de 60, dois registros de partos e quatro abortos, sabe-se lá quantos cigarros de maconha. Afinal, era uma oposição à Guerra do Vietnã, a maior exposição da cultura hippie, um grande encontro de amigos ou um erro que deu certo?

A república tupiniquim tentou incontáveis vezes reproduzir a festa, nenhuma edição do país do samba ou mesmo do país original alcançou o sucesso. Os tempos hippies do país do samba teve Raul Seixas no rock e o resto era MPB. Chico Buarque de Holanda ou Caetano Veloso. Nada de Janis, Jimi. Beatles, The Who e nhenhenhês solados por guitarras.

O Brasil sempre se destacou pelo samba e a bossa nova, os lanças-perfumes e o Rio de Janeiro, ser tropical e ter a maior floresta do mundo. O grande Woodstock verde e amarelo devia ser no corcovado, com aroma de loló, e a música? Como diria Drummond: letra de Chico com música de Tom. Até porque piratear a cultura de uma década, uma geração e um país que não lhe pertence, nunca vai servir pra comemorar nada além da falta de autonomia, relembrando também Cartola.


recomendação do dia: http://www.revistabrasileiros.com.br/edicoes/24/textos/643/

Os Anjos Caídos (ou A Construção do Caos)

"Pai, me ensina a ser palhaço

Pai! Me ensina a ser palhaço.
PAI! ME ENSINA A SER PALHAÇO!

_ Isto não se ensina, seu bosta!"

Foram estas as palavras que me fizeram, de alguma forma a encantar pelo Cordel do Fogo Encantado. Que tanto quanto Teatro Mágico, passa de banda à ser trupe. Narram poemas dignos do Nordeste, mantêm uma incrível presença de palco. E falam daquele clichê, demodê, tão perdido nas imbelezas da pós-modernidade.
_________________________________________

Não creio em Deus. Sou atéia, incrédula ou como queiram chamar. Prefiro não debater o assunto pra não ser ofendida nem ofender ninguém. De futebol, religião e política, só discuto mesmo futebol, e quando o meu time tá ganhando.
Mas um dia, alguma coisa que levava encarnada o nome de Deus me chamou a atenção. Creio em Deus como uma personagem magnífica. Assim como creio no Dom Quixote, no Fabiano de Vidas Secas ou na Allie de Taken. Sintam-se à vontade então:



Os homens são anjos caídos que Deus mandou para Terra porque
botaram defeito na criação do mundo. Aqui, começaram a
inventar coisas, a imitar Deus. E Deus ficou zangado, mandou muita chuva e muito
fogo, eu vi de perto a sua raiva sacra, pois foram sete dias de trabalho intenso,
eu vi de perto, quando chegava uma noite escura
Só meu candeeiro é quem velava o Seu sono santo
Santo que é Seu nome e Seu sorriso raro
Eu voava alto porque tinha um grande par de asas
Até que um dia caí
E aqui estou nesse terreiro de samba
Ouvindo o trabalho do Céu
E aqui estou nesse terreiro de guerra
Ouvindo o batalha do Céu
Nesse terreiro de anjos caídos
Cá na Terra trabalho é todo dia
Levantar quebrar parede
Matar fome matar a sede
Carregar na cabeça uma bacia
E esse fogo que a Sua boca envia
Pra nossa criação
Deus
Esse terreiro de anjos
Esse errar que é sem fim
Essa paixão tão gigante
Esse amor que é só Seu
Esperando Você chegar
Os Homens aprenderam com Deus a criar e foi com os Homens que Deus aprendeu
a amar.

Os Homens aprenderam com Deus a criar e foi com os Homens que Deus aprendeu
a amar.

O espelho da espuma

Não é o meu primeiro projeto de livro. Eu simplesmente nunca terminei um pela falta de organização mental e física. Eu escrevo trechos que gostaria de colocar nos meus livros por todas as partes, depois não consigo os unir e abandono a idéia. Desta vez contratei alguém pra receber todos arquivos de word e colocar na ordem mais sábia. Além de revisionar e colaborar no que mais for preciso.

Como tenho idéias demais, minha personagem vai à vários pontos de vários lugares, vivenciar o que for preciso, todas as idéias que eu me sentir obrigada à narrar neste livro ainda sem nome. Um dos trechos, ainda solto. É este:

A luz do banheiro estava ligada, e a porta aberta. Me aproximei. Primeiro eu descubro o que as pessoas gostam de fazer, depois eu observo como elas o fazem e sem querer acabo entendendo o por que.

Não fazia mais que três meses que eu dividia aquele apartamento com alguém. Embora ela parecesse apenas uma visita, ou alguma desconhecida perambulando pela minha casa, eu já tinha me apegado à presença silenciosa dela. Vivíamos cenas de solidão à dois.

Cada um almoçava no seu quarto, comidas diferentes, lavava a própria vasilha.Conversávamos pra pagar a conta e não muito mais. Não sei se ela tinha medo de mim, se não gostava de conversar ou se sentia-se muito inquilina e tinha medo de me incomodar com sua doce voz sem sotaque.

Encostei na porta do banheiro para conversar com ela, minha mãe fazia isso quando queria brigar comigo. Não creio que minha cara, naquele momento, era séria. Mas ela também pareceu sentir-se um pouco amedrontada de alguma bronca, até uma expulsão – talvez.

Me olhou através do espelho e continuou a escovar os dentes, tirando os olhos dos próprios olhos e olhando fixamente pra mim, evitava virar:

_ Não é engraçado o espelho?

Continuou calada escovando os dentes.

_ É sim. Meio gozado que quando olho pro espelho daqui não vejo nem sombra minha, vejo seus olhos, e você vê os meus, não é? Oxe, não é?

Enxaguou a boca, gargarejou a água e sem muita vontade respondeu que era mesmo.

_ O melhor é que eu sei que estás me olhando enquanto te olho e isto é bonito. O espelho me faz pensar, sempre fez.

_ Não sei se pelo espelho também. Eu penso escovando os dentes.

_ Você gosta de escovar os dentes, eu sei. Mas não é pra pensar.

_ Pensa que é pra que então?

_ Quando escova os dentes deixa propositalmente a espuma escorrer pelos cantos da boca, criando assim uma barba. É da barba que você gosta. Queria ter uma igual a minha?

_ Eu gosto de barbas?

_ É o que me parece.

_ Ah! Eu gosto, mas em homens.

_ Você vê o homem ideal no espelho, quando a espuma cobre seu rosto.

_ Porque você ta me falando estas coisas?

Não lembro uma frase a mais. Porém a única certeza que tenho é que a próxima frase já não estava no mesmo contexto.

A gente sonha a verdade?

Enquanto tentava concentrar-se em sintonizar o velho radinho de pilhas na corrida daquela manhã e rememorava os velhos narradores, uma vozinha que não chiava pelo rádio surgiu na porta da sala. A voz era doce e suave, não era grave como a de um homem, tampouco aguda como a de uma mulher.
Sabe estas coisas que lembram outra sem ter sentido? Como "Vanessa" lembrar "pia". Aquela vozinha lhe lembrava algodão. Enquanto decidia se o algodão era o do algodoeiro ou do pipoqueiro da porta da igreja os passos leves se aproximaram:

_ Vovô, a gente sonha a verdade?
_ Como assim? Algum palpite pra quem vence a corrida de hoje?
_ Vô... presta atenção em mim! - irritou-se o garotinho.
_ Sim meu filho, pode falar, mas eu apostei com seu pai que o Senna é que ganhava.
_ Vô! Me escuta! Quando a gente sonha é verdade?
_ É verdade o que? - respondeu com agilidade incomum à sua idade
_ O sonho!
Começou a se lembrar do sonhos, ainda aquela noite tinha sonhado com um cachorro urinando nos postes da rua. Fazia sentido naquilo? Ele não ia vigiar os cachorros da rua o dia todo, muito menos a semana toda. Então era melh...
_ Papai, o vovô não quer falar comigo. PAPAI!
Despertou-se ágil novamente.
_ Quero sim, vem cá. Senta na perna do vô e repete a pergunta.
_ É que eu tive um sonho e eu quero saber se eu sonhei porque aconteceu ou vai acontecer aquilo.
_ Ah! Quando eu tinha sua idade eu sonhei que eu era casado com uma senhora bem velhinha de cabelos lisos e que parecia com o Zuenir Ventura, conhece o Zuenir?
_ Eu não perguntei isso.
_ Ah... mas se você visse o Zuenir do lado da sua avó - e esboçou um sorriso - você ia entender sim.
Agressivo desceu do colo, deu duas voltas na sala com as mãos para trás olhando firme para o chão. Apontou pro Vô e disse:
_ É que eu sonhei que tinha um velhinho parecido com a vovó, ele era escritor e falava daquilo que o papai também fala.
Fez uma cara curva de interrogação e abaixou a cabeça, juntou as mãos e tentou pensar em como encerrar o assunto, que ele já não acompanhava mais.
_ Vô, eu acho que este velhinho é este Zuenir... eu acho... ele é irmão da vovó?

Diversidade

Quem escreve sabe o quanto é difícil manter a inspiração. Dois passos rápidos de uma criança podem lhe conceder um texto inteiro. Mas ele virá sobreposto todas as frases em um segundo só, pra organizar, escrever e mostrar pra alguém depois é bem difícil. É difícil escrever o início do texto sem a pressa de chegar ao final, antes que você esqueça tudo que perdeu-se naquele segundo e mesmo assim... talvez ninguém nunca tenha escrito exatamente o que veio a cabeça.
Acabo de passar esta experiência mais uma vez. Abri este blog com a intenção de fazer um cabeçalho, uma máquina de escrever, desenhos, o nome do blog, meu nome, algo escuro pro blog não ficar branco demais. E o que me saiu? Este cabeçalho realmente não marca minha Insônia Registrada e ainda é branco, meu blog está branco demais.
Fui até o blog da minha irmã, é que ela pediu pra divulgar, eu precisava ler pra saber o que falar. Legal, a cara do blog, o primeiro texto, a idéia. Mas não consegui pensar no que falar, percebi que a história que ela escreveu parece com meus inventos aqui postos e pensei se as histórias que escrevo não seriam verdades em outra parte do mundo, em outro lugar. Pra alguém aquilo era real demais? Se determinada pessoa lesse determinado texto meu ela não gritaria "ei você anda espionando minha vida!"?
Viagem demais. Viagem demais.

Fui pulando de blog em blog e encontrei mil coisas que eu postaria aqui como indicações, vídeos, músicas, textos. Tudo ao som de DigitalDubs. Reggae e "rap" mais ou menos, passando pelo eletrônico, é o som que me sai aos ouvidos. Demorei muito pra entender que este tipo de música é um timpo de revolução, de protesto. "É o movimento!".
É difícil indicar um tipo de música assim, as pessoas têm preconceito. Se a música fala de drogas dizem ser apologia, mas não. É só realidade. Da mesma forma que a realidade das caronas da minha irmã possam parecer meus textos, e meus textos possam parecer realidade... a realidade É apologia.
"o Rio de Janeiro, uma grande favela com uma cidade no meio". E porque um dia disseram o contrário? Cidade com uma favela ao redor? Mapa múndi com destaque para os países do norte, não é a mesma coisa?
Viu como a inspiração passa? Não sei manter o assunto, não sei chegar ao fim, não sei... ah. Prometo voltar a escrever daquela forma um dia. Que lhes sirvam pelo menos os links.
Aliás, enquanto minha irmã viaja de carona. O Eduardo viaja de bicicleta, outra indicação.


Pra quebrar o silêncio

Aos poucos minhas palavras vão se fazendo silêncio. Minha correnteza de idéias é sempre ao contrário, enquanto meus blogueiros preferidos aproveitam as férias para escrever todas as idéias que não puderam anotar durante o período letivo, eu uso as férias para calar-me e apenas ouvir.
Tenho lido mais que escrito, e minha cabeça me parece uma revolução de idéias. Se eu colocasse todas em prática não faria nenhuma. Faço o fim pelo contrário, nenhuma pra não fazer todas. Quanta coisa nova descobri com o Desembocadouro do Bruno.
De leitura em vídeo assistido, música escutada, poema analisado e programa de tv repetido conclui a teoria já há muito mencionada pelos professores de qualquer faculdade: um blog vive de links. Sim, de links. Porque precisamos da intertextualidade. Um blog que simplesmente indica links pode não ser o melhor, mas tampouco será o pior. Um blog de conteúdo ruim e sem links não será lido nem pelo autor.
É raro eu indicar uma música, um vídeo, um site por aqui. Eu sei. Mas pra cobrir este meu silêncio vou começar a "desembocar" uns favoritados de vez em quando. (Coisa que tenho feito também no twitter.)
Enfim... sem fim... os companheiros insonos devem ter assistido nesta madrugada o programa Som Brasil em homenagem aos Paralamas. Nada a reclamar de nada. Foi excelente. Só queria indicar uma das cantoras participantes a Maria Gadu:



Esta música não deve ser a melhor dela, mas pra interpretar é a mais divertida, consegui achar mil significados sem pensar mil vezes.

Twitter

faz um tempo que voltei pro twitter...
eu não o uso como manda o gabarito...
eu uso o twitter pra desabafar as frases soltas que me vêm a mente...
não precisa clicar no link...
mas se quiser ver mais reticências do que neste post...
pode clicar...

http://twitter.com/lilianalcantara

Metade



Porque metade é o que está em mim
A outra não achei

É a única coisa que eu aumentaria à este poema. E claro, assexuada como sou, desalmada, tiraria as partes que indicam vida à dois.
Porque eu acho que metade é você, a outra metade é o que faz, o que gosta, os amigos, a família, o que rodeia, a situação, o ambiente e as condições.
Não vou estragar o poema com uma análise minha.
Porque metade é o que escrevo, metade é o que apago.

Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio

Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.

Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que eu penso mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.

Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
Por que metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade eu não sei.

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.

Pesquisa

04/08/2009

No final de 2007 eu perdia o sono semanalmente pensando em algum texto. O cansaço físico me impedia levantar da cama para anotar os poemas, textos e frases que vinham à cabeça. Criei então o Segundo Lílian, em Junho de 2008. Postando anotações feitas na madrugada, sonhos rememorados na manhã seguinte, inspirações do meio do sono vespertino. Sem habilidade de escrita tive um blog trágico, perdi meus leitores e a vontade de escrever.
No final daquele ano resolvi criar o Insônia Registrada. Já que todos meus textos eram decididos durante a insônia, ou me tiravam o sono. Era um novo blog, pensado diferente, com novo tema, nova forma de escrita, novo visual - que já foi modificado uma dezena de vezes - além de agora um período de vida bem mais traduzível em letras.
Hoje, o blog já virou um vício. Textos, links, vídeos, descobertas, lembranças... tudo vem pra cá. Tirando o sono de quem lê também. Tamanho vício me levou a criar um blog de esportes, um de filme, participar brevemente de um blog de humor e me fez até perder a vergonha do Segundo Lílian.
Porque segundo Lílian, a insônia será registrada.