Monossílabo que abre o Kadabra

Era só uma menina com alergia à uma palavra. Bastava cochichar-lhe aquele monossílabo para que ela estremecesse por inteiro. Arrepiava os pêlos dos poros e revelava um monstro revoltado que morava ali dentro daquele corpo tão inofensivo.
Não havia mais que cinco pessoas que acreditasse que pudesse ser verdade o grande mito de que bastavam três letras pra revelar o grande segredo por trás da menina tímida, educada e meiga que tanto estavam acostumados a ver pelos corredores do colégio.
Porém, para o mito desmitificar-se não bastaria a palavra mágica, precisavam de um homem de terno preto e varinha pra tirar os coelhos da cartola. A notícia mal tinha vazado quando apareceu o novato Marcelo pra, indelicadamente, dizer não à Clarinha.
Até hoje não se sabe se o fez por descuido ou desafio, nem mesmo se ele já teria ouvido a história de que a palavra tinha certo poder sobre a menininha. O importante mesmo é que ele disse não. À esta altura o diálogo que veio antes da palavra já foi esquecido pelos poucos presentes, o relato é mais ou menos assim:
_ Não.
_ Hm?
_ Não, clarinha, não! Me deixa.
_ Quem você pensa que é?
_ Quê?
_ Você se acha no direito de mandar na minha vida? De dedicir algo por mim? Não é porque V-O-C-Ê não quer que eu não vou fazer. Agora eu faço é questão. Acho bom rever seus conceitos, porque em mim você não manda. Desculpa pelo que vou fazer com você daqui pra frente.
Marcelo, certamente, ficou um pouco asssutado e sem entender muita coisa. Foi pra casa revivendo a história mentalmente até entre muitas interrogações de si pra si misturar totalmente a história e achar que devia desculpas à Clarinha.
_ Pô Clarinha, eu não tinha intenção nenhuma ontem sa...
_ Nem sempre o que importa é a intenção, sua palavra foi simplesmente definitiva se disse não é porque setenciou e negou a possibilidade de voltar atrás com sua decisão, também fiz isso.
_ Clarinha, eu posso ter feito isto ai, as palavras são mesmo fortes, mas é que não foi intencional, eu só queria ficar sozinho àquela hora, porque... ah porque eu já nem sei.
Seguiram-se alguns segundos de silêncio e ela tentou repensar o que dissera, ele tentou desviar o olhar e então ela percebeu que:
_ Seus olhos são da cor dos do meu pai.
_ Eh...? - corou-se.
_ Meu pai já morreu.
_ Morreu? De..
_ De "não".
_ Hm?
_ Negaram-lhe a vida, e ele negou-se a sobrevivencia numa subvida.
_ Não entendi...
_ Não posso ser mais clara.
_ Acho que entendi alguma coisa, mas o que eu queria mesm..
_ Eu te desculpo, você teve coragem de voltar atrás.
Daí em diante também não se sabe bem o que ocorreu. Há os que dizem que ela nunca mais irritou-se com a palavra "não", outros dizem que ele também passou a ter a tal doença do "nãonismo", que se beijaram e se casaram. Tem quem diz que ele é a reencarnação do pai dela.
Mas no dia do casamento, a história toda morreu de "sim". Mas aí já é uma outra história...

Sem direção

E amanhã
O que vai ser de você
Quando acordar
Uniformizada e sem destino
Vai seguindo a direção
Sem caminho
E um pergaminho
Um mapa em questão
Correndo risco de vida
De ficar viva
Que perigo a sua direção

Presságio

Tornará-te alegre, feliz como as outras pessoas.
Como as pessoas normais.
Porém.
Sua alegria, sua felicidade...
será sem porquê.
Apenas artificial, elaborado pelas tarjas pretas.
O preto da inelicidade.

Toc's e Tec's

Parece tão corriqueiro ser tenso
Que o relógio finge não nos ver

Câmera, luz, postando...

Um vazio pesado
Foi tudo que pude sentir
Naquele momento
E pro resto da vida
___________________

No tempo do era

Não consigo entender sozinho
Por que apostei neste jogo
meu próprio ninho?
Hoje é o fim do tempo
Que eu tinha pra voltar atrás
Agora que hipotequei minha'lma
Pro satanás

Eu vou tirar meu corpo desta
E me lançar de frente
Pro que sozinho não consigo entender
Quando apostei nessa
Eu tive muito medo de perder
Mas só quando perdi
Que pude perceber
Mais que meu ninho era você
___________________


Às vezes é preciso dar um breake. No meio do jogo, 3 segundos é um gol, ou um impedimento.


• Então, vou indicar hoje um blog sobre os movimentos sociais da Zona da Mata. Por Elder, Lívia e Thais: Bangalô de Flores.
E apresento também meu novo blog, junto com a bina. O apomixia é um blog mostrando nossa visão assexual do mundo, melhor entrar lá pra entender.

Desistindo outra vez

Pra mim:
Seguir em frente
Sempre foi
uma forma
de desistir

Três anos depois

Eu sentava naquela calçada e ficava observando as pessoas: algumas passavam com muita pressa; outras vinham chutando suas pedrinhas, ouvindo música, andando lentamente; paravam, esperavam alguém e saiam. Era engraçado quando alguém ficava um bom tempo parado e decidia que era hora de partir, ficavam me olhando sem jeito como se quisessem me matar por eu ter visto que tomaram um bolo.
Na maior parte das vezes eu me sentia um pouco invisível, estar ali e ninguém me dar a miníma idéia me fazia sentir assim. Mas quando um olhar perdido me encontrava eu me sentia presente demais, até mesmo invadindo a vida das pessoas, me sentia mais estranha que qualquer uma das que ali passavam.
Algumas vezes eu tentava fotografar umas cenas bem disfarçadamente, e quando notava já tinha tomado a rua como minha. Depois de três anos de muita freqüência inexplicável naquele lugar eu percebi que ele tinha mais de mim que eu dele. Nas paredes alguns desenhos que fiz, minha assinatura, o chão recém-acimentado tinha meu nome escrito à dedo. Por fim, eu já sabia quem passava e em qual horário, quando uma pessoa ia ali pela primeira vez eu reconhecia em seus olhos perdidos e encantados pelos meus desenhos e me oferecia pra escoltá-las até o destino.
Uma vez escoltei um velhinho cego sem que ele soubesse quem eu era, ou até que eu estava ali. Ele repetia "você está ai?" "anda aparece pra mim, vai", o tempo todo. Talvez tenha pensado que eu era um anjo, ou coisa parecida, talvez eu fosse mesmo...
Aos poucos eu fui concluindo no meu pequeno diário: "Pessoas não são máquinas, não são programadas. Elas pensam advinhar o futuro, retroceder ao passado, acreditam que um cheiro é o sulficiente pra levá-las ao fundo da memória e atrasam 2 minutos pensando que vão fazer suspense, na verdade só terão que esperar 2 minutos a menos.
E neste convívio consigo mesmas vão ignorando outros seres que as rodeiam. E quando se
deparam com o assubio de um pássaro já não reconhecem e ficam abismadas, espantadas, como se estivessem vendo a maior raridade do universo. O mais estranho é o que consigo sentir por cada desconhecido que por aqui passa, assim como elas pelos pássaros, eu me assombro, arrepio de curiosidade e me apaixono por cada uma delas."
Quase no fim daqueles três anos passou um homem bem diferente por ali. Primeiro que ele me viu, riu pra mim e desejou que fosse quem eu fosse que tivesse um dia gratificante, depois ele voltou sorrindo e disse "deu tudo certo, valeu", sem eu nem ter feito nada. Daí em diante fiquei curiosa, às vezes eu o seguia, tentava desenhá-lo. Ficava esperando que ele passasse todos os dias depois do almoço, às vezes ele não ia e eu ficava triste, nem terminava a tarde por aquelas bandas. Foi quando ele passou 3 semanas sem me visitar, que percebi que eu tinha passado 3 anos sem sorrir pra mais ninguém.

Dez minutos

Era uma tarde de ar seco. O sol cansado amarelava no poente. Dali não se ouvia muito barulho da cidade, às vezes algum grito vindo de uma vilazinha ali perto, lá em cima uma pipa tentava resistir sem muito vento, era gostoso imaginar o rosto da criança que a empinava, e que os gritos ali ouvidos eram dela.
Ele olhava pra pipa, depois pra sua mão. Se imaginava com um carretel e ... aos poucos foi se lembrando de um tempo distante, quando ele e seu pai saíam para caçar gambás à noite. Estava ali entre o revolver em sua mão e a estrada que passava às suas costas.
Pensava em se matar, acabar com tudo. Suas memórias estariam perdidas para sempre, não teria filhos para ensinar a caçar gambás, ou empinar pipas. Nunca mais veria cena igual àquela. O sol no poente transformando em sombra toda a paisagem. E o pinheiro ao seu lado.
Engolia seco. Começou a chorar e rir sem entender o motivo, queria um abraço, um soco. Era tanta coisa se misturando, tanta alegria, tanta tristeza. Tudo que já passara na vida, que demorara pra se desprender, agora se passavam de novo. Enfiou-se o revolver pela lateral da cabeça, respirou fundo e ameaçou puxar o gatilho. Quando uma voz  - que não era grito – interrompeu-o.
_ O que há de não finito pra se acabar agora?
Ele nem sabia como responder, nem mesmo entendeu o que lhe foi perguntado. Chorou um pouco mais e abaixou a cabeça – e a arma.
_ Você tem 10 minutos pra me fazer sorrir, rir, gargalhar. O que for. Dez minutos, se conseguir a arma é sua.

Cães farejando a outra dimensão

Existe um ser oculto dentro da cada um de nós. É como se um outro eu, em outra dimensão. Mas minhas dimensões parecem misturar-se, desvairar-se e às vezes confundirem-se. Meu outro eu está a amostra. Aquele "eu" rude, sem perdão, sem coração, sem sacríficio.
Impulsiva vou gastando meus créditos. E quando não me resta nada penso em sair de casa, em voltar pra casa. Penso em sair da vida, em voltar pra vida. Meus dois eus começam a se rebelar, confundem-se.
Aumento o volume. Fecho os olhos, pra não ver a estrada passar. Puxo a lavanca, cadeira inclinada. Aumento de novo o som.
♪ eu ia explodir, mas eles não vão ver os meus pedaços por ai / os cães farejam o medo logo não vão me encontrar, não se trata de coragem, mas meus olhos estão distantes me camuflam na paisagem dando um tempo pra cantar. 

Pesquisa

04/08/2009

No final de 2007 eu perdia o sono semanalmente pensando em algum texto. O cansaço físico me impedia levantar da cama para anotar os poemas, textos e frases que vinham à cabeça. Criei então o Segundo Lílian, em Junho de 2008. Postando anotações feitas na madrugada, sonhos rememorados na manhã seguinte, inspirações do meio do sono vespertino. Sem habilidade de escrita tive um blog trágico, perdi meus leitores e a vontade de escrever.
No final daquele ano resolvi criar o Insônia Registrada. Já que todos meus textos eram decididos durante a insônia, ou me tiravam o sono. Era um novo blog, pensado diferente, com novo tema, nova forma de escrita, novo visual - que já foi modificado uma dezena de vezes - além de agora um período de vida bem mais traduzível em letras.
Hoje, o blog já virou um vício. Textos, links, vídeos, descobertas, lembranças... tudo vem pra cá. Tirando o sono de quem lê também. Tamanho vício me levou a criar um blog de esportes, um de filme, participar brevemente de um blog de humor e me fez até perder a vergonha do Segundo Lílian.
Porque segundo Lílian, a insônia será registrada.