Depoimento de um coveiro

_ É, no ínicio eu até que tinha medo, não é medo... é que é estranho enterrar gente todo dia, você vai começando a ver vida naquelas pessoas, eu não nasci pra ser coveiro não... tem que ter o coração muito duro, tem que ter (...) Teve um dia que sentei numa tumba destas aí e me achei meio morto, não sei. Era estranho eu não tinha vontade de sair do sol, de ir pra casa, eu olhava assim, eu me sentia em casa, né?
Ah mais ai chegou um defunto pra gente enterrar, nem família o cara tinha, era só cavar e jogar ele lá dentro, sem sentimento nenhum. Eu levantei mais que depressa, reanimei né? A gente sente até estranho, parece que gosta do que faz, é feio falar que gosta de enterrar gente né? Aí, eu mais meu amigo ali, enterramo o defunto e naquele dia acho que enterrei minha alma junto...


Egocentrismo: é crime, pecado ou doença?

Indiferente do que seja o egocentrismo eu o possuo em minhas mãos, ou ele me possui: não se sabe ao certo.
Gastei parte da minha vida escrevendo exclusivamente sobre mim, me sentia uma verdadeira obra prima, como não possuia um blog, tudo virava perfil de orkut. Depois de algum tempo, cansei de escrever sobre mim. Fui escrever sobre objetos inanimados, cafés e Deus. Deus é o personagem mais bem criado que já se teve, porque é plausível de adaptações e incrementações, torna-se mesquinho ao ser tratado como algo além da literatura. (Este não é o assunto do texto vou parar com a baboseira).

O assunto: sou eu.

Conclusões pífias sobre uma Lílian

Sob o efeito do sono constante tem seus dias regidos pelo som de digitação. Birra é quase um estado emocional; ego é um modo de vida; sentimento é coisa avulsa existente, mas oprimido pelo obsesso orgulho;
Não há brigas, doenças e machucados (dodói) incuráveis pelo sabor delicioso de cacau industrializado e parafinado (chocolate);
Caso retire: chocolates, música, internet e livros de uma Lílian, esta é capaz de deixar de existir, sendo chupada pelo buraco negro do tédio.

- Não dê comida ao animal.


Cama ciumenta

Minha cama sente ciúmes, é maltratada por toda a família mas é a única cama no mundo que abraça uma pessoa, por isto tanta gente gosta da minha cama sem saber o porque.
Durmo com minha avó, é raro estar em casa e dormir em minha cama, prova disso é o colchão duplo comprado próximo ao meu aniversário do ano de 2008, permanece duro e intacto, com cheiro de loja e etiquetas da mesma. Se durmo em casa tenho preguiça da firmeza permanente em meu colchão, não retiro a colcha e deito por cima de tudo, sem travesseiro mesmo, acordo reclamando.
Uso minha cama apenas como extensão da mesa do computador, ou do meu guarda-roupas: fichário, livros, roupas, revistas, calendários, lapiseiras... todos já visitaram minha cama. Como não os retiro dela, fica difícil deitar na mesma durante o tempo que estou em casa. Pra deitar preciso me retorcer e encaixar no 'S' vago entre meus entulhos.
Aos poucos minha cama começa a tomar raiva de mim, pela falta de carinho que lhe tenho desde que a troquei pela cama de casal antiga que durmo na casa de minha avó. O colchão não chega próximo de ser duplo, mas é largo; não tem nenhum benefício para minha coluna, é de eponja; não tem conforto algum, mas não tem entulho.
Sei que a culpa nunca foi da minha cama, é minha. Decido pedir desculpas a minha cama em dias frustrados, chego em casa querendo colo de travesseiro, tiro tudo que está sobre ela, jogo no chão: boa tarde caminha. E me debruço com braços pra cima, cabeça de lado, olhos fechados. Minha cama me abraça, aceita o pedido de desculpas, ri-se do chão entulhado. Me acolhe e dá conforto, coisa que ela nunca faz nos nossos dias de briga.
E quem disse que cama não tem coração?

O Palhaço


Por trás de um palhaço se esconde muita gente: a começar por uma incansável criança.

Quando pequenos, muitos de nós prometemos aos mais velhos que nunca nos cansariamos da boneca ou do carrinho, e inclusive que brincariamos com o mesmo brinquedo de sempre junto aos nosso filhos. É exatamente esta promessa que sobressai na vida de um palhaço. Pra sempre será ele uma criança, uma criança pra brincar com seus filhos, com filhos de conhecidos e desconhecidos.
Por trás do sorriso esticado à tinta, o palhaço chora. É um grande homem, uma incansável criança, com muita responsabilidade, muita maturidade pra revelar. E este peso é tanto que o palhaço não o usa, absorve, escorre a tristeza em palhaçadas, infantilidades que sem a tinta esperneiam dentro e fora de si.
Por dentro de um palhaço tem tanta gente chorando com fome, tanto doente pedindo esmola e quando olha por fora um hospital, assim como seu signo: câncer. Olhar pra crianças carecas e carentes não anima ninguém a projetar sorrisos, o palhaço sente um vazio enorme, tem que fazê-las sorrir.
Promete a si mesmo nunca deixar uma criança virar adulta. Assim como ele, eternas crianças. Crianças que morrem de fome, de doença e de rir. O palhaço passa à elas todo seu peso, junto ao nariz vermelho. Vermelho sangue pros pessimistas, vermelho coração...
Por trás de um palhaço, todo mundo é triste.


Conta-se a lenda, O Palhaço Lendário. Toda vez que via uma criança triste, o palhaço chorava. Do bolso, tirava uma latinha de tinta vermelha, com o dedo indicador: uma pinta vermelha no próprio nariz, outra no nariz da criança. E escorrendo lágrimas guardava a latinha. E as crianças não ousavam mais chorar.




Se me permitem apresentar música, teatro e circo tudo junto numa coisa só como diz uma das letras da trupe, eis aqui O Teatro Mágico:


Teorias intertextuais

Você só não gosta daquilo que não conhece, narrava entre suas viagens biológicas o Sr. Edvaldo Barros, e chegou a me convencer que biologia era amável, e que o estudo das plantas podia me ser útil. Terminei de concluir minha hipótese sobre: quando na minha futura vida de hippie pegadora de carona eu iria utilizar estes conhecimentos. Nada cairia melhor para a situação que o filme (também em livro): Na Natureza Selvagem. E mais uma vez estava ali o Edvaldo, ou tio Ed, me convencendo que só não gosto daquilo que não conheço.
Comecei a procurar outro defeito na teoria então, pra que gostar se aquilo não muda realmente a minha vida? Tudo bem que as plantas já estão provadas, mas porque devo gostar de uma pessoa se ignorá-la é tão mais fácil? Que me desculpem os freqüentadores de igreja que são obcessos pela arte de ajudar ao próximo, mas não nasci pra isto, é tão mais fácil ignorar e só ajudar quem eu quero.
Meu terceiro, ou quarto, melhor professor (escalado assim numa comparação de toda a vida) veio então com a nova bomba. O cara do meu lado que eu recuso a ensinar matemática hoje pode virar um bandido amanhã e, acidentalmente (ou não) matar um "ente querido". Que tal pensar o contrário? Já que nós, defeituosos seres humanos desonrados pelo próprio reino do qual nos sentimos donos... já que nós somos gananciosos e só acreditamos na teoria quando ela nos faz bem, nenhum medo do mal. (Afinal, durante a tpm, tem como piorar? - mas tem). Imagina agora se você ajuda o cara do lado a estudar, ele torna-se um médico e TE ATENDE DE GRAÇA, aceitou o desafio agora?
Ainda faltava completar a teoria, tudo bem estudar e aprender já faz sentido, depois que fizer isto aprendo e passo a gostar da matéria (teoria comprovada pessoalmente pela pessoa mais orgulhosa do mundo, que não muda de idéia fácil sobre "gostos", principalmente), depois de aprender passar o conhecimento também já é útil (por enquanto só acredito na teoria). Mas não apareceu nenhuma Geisa pra completar o grande e desvinculado raciocínio pregando uma proposta do "porque esperar? comece agora". Afinal se tem pecado capital mais justo é a preguiça.

Menina Abençoada (Parte II ?)

Era um mendigo, talvez andarilho, mas me disseram que era um hippie sem seus artesanatos. Um velho hippie então, de barbas longas, crespas e grisalhas; a cabeça envolta por uma toca de meia e um forte odor. De longe parecia um velho bêbado, de perto um pobre coitado.

Só me aproximei porque não percebi pra onde meus pés me levavam, as vezes a gente se sente invisível, e quando escutamos o próprio barulho passamos a lembrar que somos seres vivos visíveis como os outros. Pra não esquecer disto deveríamos usar um sininho pendurado ao pescoço.
Como um urubu rodando em volta da carniça, ali estava eu cheirando o odor do indefinido ser humano que se espichava pelo chão da praça. Antes que meu sininho tocasse e eu voltasse para o devido lugar: o asfalto, o velhinho me surpreendeu com as mãos esticadas para mim, apalpei o bolso indicando que não tinha moedas. Ele me olhou torto:
_ Estou pedindo a bênção. - foi minha vez de entortar a cara e enrugar a testa - E uma menina como você certamente tem um amplo contado com Deus para me abençoar. - menina abençoada de novo não.
Engoli algumas letras, palavras e "mineiralizei" a benção:
_ Bençoi. - a recompensa do dia foi o sorriso desdentado que me mirou por um ou dois segundos depois.
_ Menina, você não tá se perdendo, nem se encontrando. Já se perdeu e ainda não começou a procurar. - eu resolvi considerá-lo um velho bêbado e sai friamente, pela tangente do circulo que o urubu formava com seu vôo.

Eu tô racionalizando raciocionio;

Desespero

Desespero é um sentimento surdo
E eu quase surto
Quando vem o meu
Molécula intensa
Pronta pra explodir

Menina Abençoada

Eu não sabia que era tão fácil uma pessoa me convencer de freqüentar uma igreja católica. O pior, daquelas bem no centro da cidade, que só recebe as famílias que têm os 10% do sálario acima do salário minímo. Minha igreja fobia vai passando.
Se alguma daquelas beatas soubessem o que eu portava dentro da mochila, iriam parar de olhar com agrado pra "adolescente pedindo ajuda à Deus", e olhariam com fatalmente pra "adolescente brincando de continhas dentro da igreja". Um pecado com sentença de morte, minha mochila pesava umas 400g a mais: Falcão - Meninos do Tráfico, era meu peso nas costas.
Eu ria sozinha imaginando as coisas cabulosas que tinham na minha mochila: o livro citado, um caderninho com anotações estranhas pela qual eu seria excomungada, um dicionário aurélio com desenhos um tanto sugestivos, minha carteira com documentos, dinheiro e tralhas (incluindo pazinha de sorvete e embalagens de bala); um monte de anotações anti-catolicismo e outras coisinhas mais.
_ EUREKA!!!
Sai apressada da igreja sentei na grama disfarçando o que fazia, olhava pras pessoas me olhando. Pra um lado, para o outro... abri a mochila e tirei algumas coisas, incluindo a máquina fotográfica. Não demorou muito até que eu fosse abordada por uma senhora barbuda.
_ Menina, você é evangélica? - provavelmente pensava que aquilo na minha mão era uma bíblia, pensei. Olhei pro lugar de onde ela veio e de lá sairam mais três meninas em minha direção, pensei que quisessem me assaltar, pra comprar mais cachaça pra evangélica barbuda.
_ Não, não sou. - e fui me apressando em colocar tudo dentro da mochila, não sabia se levantava ou saia engatinhando, mas provavelmente se ela abaixasse para tentar pegar a bolsa não conseguiria levantar na mesma velocidade que eu, era bem gorda.
_ É? Você tem uma - não lembro a palavra que usou, acho que era "missão" - missão missionária na sua vida, você é iluminada por Deus, sabia? - eu não sabia era o que fazer, fingir gostar de Deus, sair correndo, dizer amém, ou falar que era atéia.
Gaguejei alguma coisa. E fui levantando.
_ Deus te abençoe viu minha filha? (assim, sem vírgula, sem pausas mesmo).
_ Amém! -  e sai apressada.

Só agora que cheguei em casa que lembrei. Alguém entrar numa igreja 8 vezes no mesmo dia, realmente deve ter alguma missão muito importante e evangelizadora. O problema é quando este alguém não sabe rezar.

"Pai nosso que estás no céu, rezai por nós agora e na hora de nossa morte, amém!", é assim?

Sexta-Feira


Do prédio da frente via dois bracinhos se esticando pra fora das janela, desembaçando o vidro.Sumia. Reaparecia na outra janela. Às sextas-feiras, o braço não se esticava, não se mostrava para os vizinhos de prédio, nem no fim de semana. Quando chegava a segunda, eu estava morta de saudades. Movimentos circulares, agora verticais, por dentro, agora por fora.
De vez em quando eu via por baixo do vidro da janela os braços negros apagarem as manchas lá de baixo, da praça em frente ao prédio, a vista era perfeita, um belo ângulo. Mas não me bastava, mesmo que meu ato fosse inconciente eu precisava ver aquela cena todos os dias. E sempre via enquanto tomava meu café da tarde, ou descia pra comprar os pães.
Às vezes sentia um enorme vazio em minhas sextas-feiras, e eu não sabia o que tanto me faltava. Dias normais, nada de errado aconteceu e eu angustiada jogada aos travesseiros e ao controle remoto, sem pilhas. Só fui descobrir o que faltava em minhas tardes de sexta quando fui chamada, pela profissão, até o prédio da frente.
Entrei cautelosa observando as paredes, anotando com calma o que precisava reformar: testando tomadas, arrancando lascas de tinta da parede, acendendo e apagando luzes, visitando andar por andar, apartamento por apartamento.
Quando entrei no 602 reconheci dois braços negros me conduzindo pela casa, apontava para os lustres, pras tomadas queimadas, e o ventilador de teto com defeito. Depois saiu para a cozinha, foi limpar a janela. Terminei a vistoria pela casa, anotações no bloco, bloco no bolso. Enquanto fechava a pasta na cozinha arrisquei:
_ Trabalha aqui faz quanto tempo? - olhar forçadamente perdido.
_ Faz 3 anos. - respondeu enquanto esfregava a janela. Me aproximei.
_ Mais um relato, os vidros precisam de... de... aquele papelzinho pra deixar fumê, qual é mesmo o nome? - fiquei tentando lembrar.
_ Escurecer os vidros é? Não quero não, depois não vejo as manchas na hora de limpar, sem contar que o produto de limpeza aqui corroi aquele plastiquinho todo, demorei tirar o outro. - e me olhou com cara brava. Eu claro, olhei com uma simples expressão, mas morta de curiosidade.
_ Nossa, mas você limpa os vidros todos os dias é? - só depois percebi que a pergunta não tinha coerência com o diálogo.
_ Não, nas sextas eu não limpo. Porque tô ocupada lavando roupa e faxinando o resto da casa.

Pesquisa

04/08/2009

No final de 2007 eu perdia o sono semanalmente pensando em algum texto. O cansaço físico me impedia levantar da cama para anotar os poemas, textos e frases que vinham à cabeça. Criei então o Segundo Lílian, em Junho de 2008. Postando anotações feitas na madrugada, sonhos rememorados na manhã seguinte, inspirações do meio do sono vespertino. Sem habilidade de escrita tive um blog trágico, perdi meus leitores e a vontade de escrever.
No final daquele ano resolvi criar o Insônia Registrada. Já que todos meus textos eram decididos durante a insônia, ou me tiravam o sono. Era um novo blog, pensado diferente, com novo tema, nova forma de escrita, novo visual - que já foi modificado uma dezena de vezes - além de agora um período de vida bem mais traduzível em letras.
Hoje, o blog já virou um vício. Textos, links, vídeos, descobertas, lembranças... tudo vem pra cá. Tirando o sono de quem lê também. Tamanho vício me levou a criar um blog de esportes, um de filme, participar brevemente de um blog de humor e me fez até perder a vergonha do Segundo Lílian.
Porque segundo Lílian, a insônia será registrada.