Uma vida por quinze minutos de aula

Minha mãe nunca me buscava na escola, eu ia de Topic pra casa depois da aula, sentia inveja dos colegas que saiam cinco minutos mais cedo por que as mães foram buscar. Sempre que eu precisava sair mais cedo da escola, quase nunca, e minha mãe fosse me buscar ela me avisava. Meu sonho era um dia ela me surpreender.
Foi na quarta série, eu sentava no fundo da sala encostada na porta, minha mãe chegou por trás de mim, sem que eu percebesse, e sinalizou pra professora que precisaria me levar.
A única coisa que vi foi a Tia Rosário dando seu sorrisinho meigo como quem diz sim, e olhei pra trás com olhos cansados e desesperançosos. Vi que era minha mãe e uma alegria imensa surgiu, vi todos os meus sonhos se realizando. Pensei que ela tivesse escutado meus pensamentos e tivesse resolvido fazer uma surpresa.
Guardei os matériais com a maior rapidez que pude, e abracei-a ao sair da sala. Estranhei ela sair mais cedo do serviço, mas não lhe perguntei nada. Aliás nem me lembro de conversa alguma enquando descíamos as escadas e atravessavamos a quadra, quase no final da mesma quadra ela respirou fundo e falou com voz meio engasgada:
_ Eu não quis falar lá em cima não, mas o Luis Fernando (meu primo, que estava internado ferido gravemente de um acidente de carro) morreu.
Se quer saber, não me lembro deste Luis Fernando vivo, só ouvi dizer que já o vi quando muito criança, mas eu nunca daria falta se não fosse pela quantidade de assuntos que surgiu com o nome dele desde o dia do acidente. Mesmo assim fiquei muito chateada, não pelo meu primo, mas pelo fato da minha mãe me tirar da aula 15 minutos mais cedo por um motivo justo. Ela não tinha realizado meu sonho.
No dia seguinte quando cheguei a casa de meu tio Lalado (José Geraldo) eu quis ver o caixão, pra ver se o reconhecia. Minha mãe me disse pra não ir, que ele tava muito diferente e eu não reconheceria. Mesmo assim me misturei naquele bolo de pessoas, e parei de frente ao caixão, deparei com um rosto largo e cheio de marcas roxas, parecia ter apanhado muito antes de morrer, senti uma tristeza pela sua dor.
Antes que eu me desse conta que aquilo eram as marcas do acidente, minha mãe chegou perto de mim e pegou uma foto em cima do caixão e me mostrou:
_ Ele era este daqui olha.
Minha vida inteira passou por mim e senti um frio ao ver um primo tão magro e moreno por foto ser o mesmo inchado e roxo do caixão. Perdi o apetite, e vi ele como o Jesus da minha vida, em silêncio agradeci por ter morrido para realizar meu sonho de sair da escola mais cedo. Porém, acho que meu tio nunca vai me perdoar por ter lhe tirado um filho por assuntos tão banais. Confesso ter ficado com grande peso de culpa por sua morte, e nunca ter me perdoado.

2 comentários:

Anônimo 9 de setembro de 2008 às 17:13  

Ow, vey...
Que triste...

Num tenho o que dizer não...

Wilson Ossoguju 15 de abril de 2009 às 22:05  

Que texto foda...

Pesquisa

04/08/2009

No final de 2007 eu perdia o sono semanalmente pensando em algum texto. O cansaço físico me impedia levantar da cama para anotar os poemas, textos e frases que vinham à cabeça. Criei então o Segundo Lílian, em Junho de 2008. Postando anotações feitas na madrugada, sonhos rememorados na manhã seguinte, inspirações do meio do sono vespertino. Sem habilidade de escrita tive um blog trágico, perdi meus leitores e a vontade de escrever.
No final daquele ano resolvi criar o Insônia Registrada. Já que todos meus textos eram decididos durante a insônia, ou me tiravam o sono. Era um novo blog, pensado diferente, com novo tema, nova forma de escrita, novo visual - que já foi modificado uma dezena de vezes - além de agora um período de vida bem mais traduzível em letras.
Hoje, o blog já virou um vício. Textos, links, vídeos, descobertas, lembranças... tudo vem pra cá. Tirando o sono de quem lê também. Tamanho vício me levou a criar um blog de esportes, um de filme, participar brevemente de um blog de humor e me fez até perder a vergonha do Segundo Lílian.
Porque segundo Lílian, a insônia será registrada.